1 1 1 1 1

O bem-estar e o acorrentamento permanente dos animais de companhia

A situação de animais permanentemente acorrentados comummente causa danos permanentes na sua saúde, físicos e comportamentais, comprovadamente presentes nos animais afetados. A exemplo, levando à agressividade como resposta defensiva do animal, dado que este tipo de comportamento pode ser uma ação reflexa do ambiente em que o cão é criado.

Os maus-tratos aos animais são vários, vão desde animais presos em gaiolas minúsculas, sem condições de higiene e sem recursos ambientais adequados, a cães (e até gatos – fig. 2) presos por correntes curtas o dia todo e toda a sua vida, por vezes com uma alimentação precária, desabrigados e privados de exercício e de poder manifestar o seu comportamento natural.

Em acordo com a legislação portuguesa, os animais já não são “simples” coisas desprovidas de vida, mas a verdade é que os animais domésticos, e no caso particular dos cães, ainda são tratados de forma ambivalente na nossa sociedade. Por um lado, são cada vez mais estimados e cuidados, mas por outro são vítimas de maus-tratos que incluem desde o abandono à tortura, mas também o seu aprisionamento com correntes curtas, permanentemente e, tantas vezes, vitaliciamente.

caes acorrentados DICAs fig1
Fig. 1 – Cão acorrentado (Fonte: https://www.noticiasaominuto.com/pais/1059197/cao-acorrentado-e-vitima-de-maus-tratos-resgatado-pela-gnr-em-braganca)

Vivendo numa sociedade progressista e solidária, é nosso dever, enquanto profissionais ou civis, minorar (ou abolir) todo e qualquer sofrimento dos animais - este, é um exercício de cidadania e civismo, mas também um princípio de ética e de solidariedade interespécie.

É verdade que este fenómeno no geral ocorre por desconhecimento dos tutores da capacidade de senciência dos seus animais, ou então por “costumes ou tradição”, e nem sempre está conotado com crueldade.

A legislação vigente no nosso país já oferece alguma proteção aos animais de companhia, mas a mesma nem sempre é cumprida e há mesmo, ainda, interpretações à lei que suscitam dúvidas quanto à própria definição de “maus-tratos”, inclusive por autoridades que recolhem denúncias de situações de animais acorrentados. Se é verdade que a legislação é clara quanto às disposições de que os animais devem dispor de um espaço adequado às suas necessidades etológicas, que lhes permita a prática de exercício adequado e a sua natural interação social, outra verdade é que estas disposições não se coadunam com uma situação de permanente acorrentamento de um animal.

São ainda muitos os animais condenados a um acorrentamento perpétuo, muitos em condições deploráveis de higiene, sem abrigo de condições climatéricas extremas, sem água fresca, sem luz e arejamento, sem alimento à disposição ou sem passeios regulares. Esta situação de “prisão perpétua” comprovadamente tem reflexos no comportamento, temperamento e saúde do animal, pois um animal (sobretudo cães e gatos) é naturalmente um ser social e estar acorrentado suprime o seu instinto, e mobilidade.

Está descrito o sofrimento destes animais ao ponto de evidenciarem lesões na pele e musculatura, sobretudo no pescoço, podendo originar feridas, ficando em “carne viva e infetando”, mas também no restante corpo, constantemente em contacto com o solo e a condições climáticas adversas (exposição solar, frio, vento, chuva, calor…), podendo causar outras doenças ao animal, para mais, situações agravadas face à exiguidade dos espaços onde muitas vezes estão confinados. Neste contexto, não são sequer incomuns histórias de mortes dos animais por asfixia ou estrangulamento com as correntes que facilmente se podem enrolar em postes ou outros objetos.

 

Além dos danos físicos, estes animais, inevitavelmente, por via deste confinamento e solidão, desenvolvem danos psicológicos e comportamentais, podendo tornar-se ansiosos, deprimidos, neuróticos, medrosos, e até agressivos, como já se mencionou, podendo inclusive agredir o próprio tutor. Um estudo efetuado pelo Center for Disease Control, nos EUA, concluiu que os cães acorrentados têm uma probabilidade 2,8 vezes maior de morder, e que a maioria das vítimas destes ataques são, tragicamente, crianças.

caes acorrentados DICAs fig3
Fig. 2 – Gato acorrentado (Fonte: https://www.portalarauto.com.br/Pages/186138/gatos-acorrentados-e-caes-sem-comida-e-agua-sao-recolhidos-por-maus-tratos-em-vera-cruz)

Também em defesa dos animais permanentemente acorrentados, o United States Department of Agriculture - USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), afirmou: "A nossa experiência em aplicar o Animal Welfare Act levou-nos a concluir que o confinamento contínuo dos cães com uma corrente é desumano. Uma corrente reduz significativamente o movimento dos cães. Uma corrente pode também ficar emaranhada ou enganchada na estrutura do abrigo do cão, ou outros objetos, restringindo ainda mais o seu movimento e causando potenciais lesões."

Os animais, na salvaguarda do seu bem-estar, devem viver livres de: fome e sede; desconforto; stresse, medo e angústia; dor, ferimentos e doenças, mas também devem poder expressar livremente o comportamento natural da sua espécie, o que o acorrentamento permanente não permite – as Cinco Liberdades, proclamadas pela Farm Animal Welfare Committee (FAWC).

O acorrentamento só pode ser admissível quando temporário e por curtos períodos, sendo sempre proporcionados momentos de liberdade… o estritamente necessário, quando não há alternativa para a salvaguarda da segurança dos animais e das pessoas, a exemplo, quando há risco de fuga do animal ou perigo de agressão por parte do mesmo a alguém. Mas mesmo nestas situações o acorrentamento deve ser feito recorrendo a materiais seguros e adequados ao animal, com uma corrente de vários metros de cumprimento, por forma a permitir a sua ampla movimentação, exercício e lazer. Porém, a melhor maneira de confinar um cão é colocá-lo ou dentro de casa, ou num espaço /canil amplo com vedação.

Quando um animal é confinado ou acorrentado de forma vitalícia, pelo menos uma das Cinco Liberdades é transgredida: a sua liberdade para poder expressar o comportamento natural da sua espécie. Os animais de companhia, em prol do seu bem-estar, devem interagir com pessoas diariamente e praticar exercício regular.

Posto esta explanação, não resta qualquer dúvida que o acorrentamento atenta contra a saúde e bem-estar dos animais de companhia, mesmo não estando ainda explicitamente proibido ou criminalizado, pois os priva de condições básicas que lhes devem ser proporcionadas à luz da Convenção Europeia Para a Proteção dos Animais de Companhia.


Sílvia Vasconcelos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária
Divisão de Animais de Companhia

Comentar

Código de segurança
Atualizar

Este sítio utiliza cookies para facilitar a navegação e obter estatísticas de utilização. Pode consultar a nossa Política de Privacidade aqui.