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Solos de um passado longínquo: os Paleossolos da ilha da Madeira

fig1 paleossolo porto da cruz

figura 1: Paleossolo do Porto da Cruz

Comemora-se em 2015 o Ano Internacional dos Solos, por iniciativa da Assembleia Geral das Nações Unidas, em reconhecimento da sua importância enquanto um recurso vital ao equilíbrio dinâmico dos ecossistemas e com o objetivo de alertar para a necessidade da sua preservação.

Em sentido lato, um solo pode ser definido como a camada da superfície terrestre que dá suporte e nutrientes às plantas, definição longe de ser satisfatória, pois um estudo mais detalhado da sua génese e composição permite-nos afirmar que se trata de uma camada constituída por duas frações: uma fração mineral e uma fração orgânica. A primeira resulta das rochas por alterações físico-químicas e a segunda da interação com seres vivos. Neste processo, o ar e a água possuem obviamente um papel fundamental. (DICA n.º 103, de 4 de Fevereiro de 2015)

O estudo dos solos primitivos ou dos também chamados paleossolos é igualmente importante pois estes testemunham mudanças importantes na história da terra.

A palavra paleossolo tem a sua origem na ligação de duas palavras: Palaios, de origem grega, traduz-se por antigo, e solo.

Estes solos preservaram-se devido a eventos geológicos que, pela sua natureza, podem cobrir extensões de solo, ocultando-os e portanto preservando-os das ações erosivas. Basta tomar como exemplo um vulcão explosivo cujas cinzas, por efeito da gravidade, acabam por se depositar na superfície topográfica, ocultando assim o solo e o coberto vegetal.

Outros eventos geológicos poderão contribuir para a preservação de paleossolos, tais como inundações, derrocadas e enxurradas, entre outros.

As primeiras provas da ocorrência de antigos solos surgem no registo geológico durante do Pré-Câmbrico (4 600 a 541 milhões de anos atrás) e permitem não só comprovar a presença de diversos seres vivos como também estudar a composição da atmosfera em tempos passados, através de análises químicas e físicas.

O arquipélago da Madeira é mais recente, sendo que a ilha da Madeira possui cerca de 7 milhões de anos e o Porto Santo um pouco menos de 15 milhões, ocorrendo vários paleossolos preservados, sendo de destacar os paleossolos de Porto da Cruz, das Dunas da Piedade e do Paul da Serra.

No Porto da Cruz existe um paleossolo datado em 1,5 milhões de anos, onde ficaram preservadas plantas fósseis (figura 1). A presença de plantas, incluindo as suas raízes, são um bom indicador de que estamos na presença de um paleossolo. 

 

fig2 dunas da piedade moldes contramoldes raizes

figura 2: Dunas da Piedade: moldes e contramoldes de raízes
fig3 fonte da areia raiz fossil
figura 3: Porto Santo, Fonte da Areia - raíz fóssil (Rizólito)

Este paleossolo e os seus fósseis foram descobertos em 1859 pelo naturalista inglês James Yate Johnson, residente então na ilha da Madeira. Os restos fósseis foram identificados pelo paleobotânico suíço Oswald Heer como pertencentes a folhas de Silvados (Rubus sp.) e Carex (monocotiledónea), sendo que recentemente se descobriram também restos fósseis de Cavalinhas (Equisetum sp.).

As Dunas da Piedade são um depósito de areias eólicas, isto é, de areias transportadas pelo vento, que se vêm depositando desde há 300 a 200 mil anos.

Nesta localidade, são visíveis várias camadas onde se observam abundantes moldes e contramoldes de raízes de plantas que outrora povoaram aquela zona (figura 2). De notar o tamanho e formas aprumadas de muitas destas raízes fósseis, que nos deixam adivinhar que as dunas outrora estariam cobertas de arbustos e árvores de grande porte. Estas plantas de porte apreciável ainda existem perto das Dunas das Piedade. No Porto Santo existem igualmente estruturas de raízes semelhantes às encontradas nas Dunas da Piedade como, por exemplo, na Fonte da Areia (figura 3).

No Paul da Serra existe um paleossolo que se preservou devido a um evento vulcânico (queda de piroclastos). Este registo é importante pois fragmentos de carvão ficaram preservados, permitindo a datação da última erupção vulcânica da ilha da Madeira como tendo ocorrido há 7-6 mil anos.

Em conclusão, os paleossolos, do ponto de vista geológico, são provas importantes do passado longínquo que nos permitem analisar e perceber vários fenómenos do passado. Na ilha da Madeira estes paleossolos são fundamentais para datar eventos vulcânicos ou perceber que tipo de vegetação dominava a paisagem em períodos distintos mas sempre muito anteriores à colonização pelo homem no século XV.

 

Dr. Carlos Marques
Prof. Dr. Miguel Sequeira
Grupo de Botânica da Madeira
Universidade da Madeira

Comentários  

# António Sousa 02-04-2015 14:13
Ao ler este texto sem indicação de bibliografia, da autoria de dois professores universitários, queria fazer perguntas sobre os mesmos visto que fiquei com dúvidas na sua leitura.

As enxurradas geralmente e frequentemente causam destruição das camadas superficiais do solo, devido à enorme capacidade de transporte da água e não da sua conservação (parágrafo 5).

Considerar que os solos têm formação desde a Era Pré-Câmbrica, que eu saiba os solos com aquela idade são bastante raros, em parte devido à existência de fenómenos de meteorização e erosão, que praticamente começaram a se fazer sentir a partir da segunda parte da dita Era, (cerca de 3000 milhões de anos) quando as condições climatéricas na Terra começaram a estabilizar, com redução da atividade vulcânica e aparecimento da camada de ozono que permitiram a existência! de vida na Terra (parágrafo 6).

A indicação da idade das ilhas do Porto Santo e da Madeira, obtidas a partir da datação de isótopos radioativos, nas rochas vulcânicas, são as da base, ou seja, do primeiro vulcanismo que teve origem no fundo do oceano (parágrafo 7).
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# DRADR 06-04-2015 13:16
Boa tarde.

Após o contacto com os autores do artigo, recebeu-se a resposta que a seguir se transcreve:

"O texto produzido é de divulgação, não fazendo falta referências bibliográficas de cariz técnico, que só introduziriam confusão aos leitores leigos.

Quanto às questões, as enxurradas são usadas como exemplo de um evento catastrófico que poderá cobrir um solo por sedimentos, preservando-o no registo geológico. Não estão a ser tidos em conta solos transportados por enxurradas.

Por sua vez, o uso do Éon Pré-câmbrico para definir o aparecimento de solos é usado de modo a dar uma ideia geral a um leitor leigo da presença de solos à escala geológica. Apesar de raros, os paleossolos datados do Pré-câmbrico, mais especificamente do Proterozóico, não são inexistentes. Sugerimos a seguinte leitura: Labandeira, C.C., 2005. Invasion of the continents: cyanobacterial crusts to tree-inhabiting arthropods. Trends in Ecology & Evolution 20, 253-262.

Por último, as datações são as de base, contudo, com a leitura do texto, fica patente que os paleossolos da ilha da Madeira são mais recentes, como seria lógico."

Com os melhores cumprimentos,
a Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural.
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