Pipocas - do campo para a "boca" do Cinema! (parte V) |
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Por analogia, em Hollywood, encontraríamos um "Velho do Monte Lee". No maior encarniçamento da escaramuça entre o cinema e a televisão, mas somente nas noites de ocorrência dupla de céu limpo e lua cheia, seria um vulto de chapéu de coco que subia aquela colina até um muro de letras iluminadas a meia-encosta. Dali, ora das reentrâncias do "H" ou do "W", vociferava então: «que eu bem disse que o cinema era uma invenção sem futuro». Embora semiobscurecido, facto sublinhado pelo aparato na cabeça, pelos 14 metros de altura dos caracteres do anúncio que originalmente se destinara a promover uma aventura imobiliária, percebia-se-lhe um fulgir à altura dos olhos e uma marca escura abaixo da área certamente ocupada pelo apêndice nasal. Apontassem-se-lhe por momentos os faróis de um automóvel que passasse pela Mulholland Highway, reconhecer-se-iam um pouco melhor outros apetrechos da figura intempestiva, mais precisamente uns óculos de aros redondos e um bigode assinalável, já a agrisalhar. Focando um pouco melhor a personagem invetivante, juntamente com algum esforço enciclopédico, identificar-se-ia então estarmos perante Louis Lumière, o mais novo dos irmãos que abriram o caminho para que simples "imagens em movimento" viessem a ser muito mais que isso, em certas explorações mesmo, uma Arte, a 7.ª, segundo a certa antevisão feita em 1912 por Ricciotto Canudo. Talvez por se tratar de um fantasma, o império do cinema esparramado pelo vale abaixo nada lhe ligou. Ele sabia que com o inesgotável génio e arrojo dos que nele moravam ou vinham colocar-se à sua órbita, o inventor do cinematógrafo jamais teria razão. Repegando os já citados «Desafios dos Novos Media», o seu autor, Rui Cádima, esclarece que «o pior momento do cinema americano no que respeita à crise de salas e de público é, de facto, o final dos anos 60 e princípios dos anos 70» e, um pouco mais adiante, vem confirmar o invejável talento daquele para reagir às contrariedades, nunca assumidas como um fatalismo: «A partir de então dá-se uma recuperação do mercado, que é também uma recuperação da indústria e da produção - é a aposta das majors no filme de "grande público", por exemplo. É o tempo da chegada ao campo do cinema de uma série de realizadores que vinham da televisão: Sidney Pollack, Arthur Penn, John Frankenheimer, Robert Mulligan, etc. É ainda o tempo das transmutações no plano das narrativas de ficção televisiva e cinematográfica». Mais adiante Cádima continua a explicar que «entretanto, o primeiro telefilme aparece também em 1966, cerca de 10 anos depois da primeira longa-metragem na NBC. A ABC faz também uma aposta forte no género, e no período de 1971/72 difunde treze dos melhores telefilmes do ano na TV americana. E a partir daí não mais pararam. Verifica-se então que um pequeno número de filmes realiza uma boa parte das receitas, chamando de novo o público às salas: em 1975 a média semanal de frequência sobe para os 20 milhões, que se mantém até 1990, com pequenas oscilações, o que quer dizer que ao longo desses últimos 15 anos o mercado americano conseguiu estabilizar o seu público. O que não deve fazer esquecer que estes últimos números relativos à década de 80 representam cerca de 1/4 do público dos anos 40. Mas se o público decresce - e muito - relativamente aos anos 40, o parque de salas cresce: 23.689 salas contabilizadas em 1990, nos EUA, ultrapassam nalguns milhares o máximo que havia sido conseguido nas décadas de ouro (cerca de 19 mil salas)». |
Com as pipocas a recuperarem o gosto e a barriga dos norte-americanos, estivessem estes pela pacatez de casa em frente a um televisor, ou espojados na poltrona de uma sala de cinema assombrados por uma tela gigante, as hostilidades entre as indústrias cinematográfica e televisiva, com o tempo, foram-se pacificando. Sem nunca terem declarado um mútuo amor, aparte uns arremedos de paixão, dali para a frente porfiaram conviver educadamente e a partilhar negócios. O nosso guia Rui Cádima, ainda refere «que o final dos anos 70 corresponde também ao enorme sucesso da pay-TV e da televisão por cabo, o que provoca, por parte das network, a necessidade de serem encontradas fórmulas alternativas. O boom da série e do telefilme está também associado a esta questão. Voltam assim em força os formatos 26/52 minutos ao longo de 13 semanas. No final dos anos 80 a HBO, por exemplo, difunde já cerca de duas centenas de filmes/mês e é uma das maiores detentoras de direitos. No final dos anos 80 é um outro fenómeno que emerge: o vídeo é doravante a principal fonte de receitas da indústria cinematográfica americana».
Para as pipocas tudo bem, viesse o vídeo ou outro veículo para o cinema, apenas mais um excelente motivo para serem devoradas.
Paulo Santos |
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