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A cultura da cerejeira

cereja cerejeira A cereja é um pequeno fruto muito apreciado, pela sua cor e pelo seu sabor. Essa apreciação positiva deu origem a um ditado popular que pode ser formulado nestes termos: quando algo nos ajuda a concluir com sucesso uma obra, dizemos, com satisfação, que temos «a cereja em cima do bolo».

A tarefa de iniciar a colheita das cerejas e de as debicar, até ao final da safra, está destinada, por natureza aos pássaros. E até aqui tudo estava equilibrado no reino das cerejeiras que, na Madeira, é o Jardim da Serra e um pouco o Curral das Freiras. O Jardim da Serra tem a marca registada de «Terra das Cerejas», tendo o Eng.º Vieira Natividade (1899-1968), já no ano 1947, designado esta localidade como o «Solar das Cerejeiras».

Porém, nos tempos que correm, quer as cerejeiras, quer os seus frutos deliciosos passaram a ter outros seres neles interessados: vários tipos de fungos têm atacado as suas raízes e diversas pragas de insetos, durante a primavera, dizimam-lhe as folhas e estragam-lhe os frutos. Devido a este e a outros fatores, a desordem instalou-se no reino das cerejeiras. E talvez tenhamos algumas responsabilidades, em grande parte daquilo que, de negativo, está a acontecer a esta variedade de árvore de fruto.

Admite-se que as cerejeiras são entre as fruteiras de clima temperado uma das espécies mais “mimosas”, por outras palavras, quando habituada a “bons tratos” exige-os durante o seu ciclo de vida. Isto é particularmente relevante quando a cerejeira assenta em porta-enxertos com “sangue de ginjeira”.

No século passado, fenómenos sociais como a emigração nos anos 70 e 80, o impetuoso crescimento da construção civil, a partir dos anos 90 e mais recentemente, a chegada da globalização, contribuíram marcadamente para a desvalorização dos produtos agrícolas regionais e, por conseguinte, de toda a atividade agrícola. A agricultura madeirense altamente dependente de mão de obra braçal começou a ficar desprovida de mão de obra, iniciando-se então um processo de abandono dos terrenos agrícolas. Isso levou a que as cerejeiras, habituadas a elevadas cargas de matéria orgânica (M.O.), deixassem de o ser, iniciando um processo de enfraquecimento. Em paralelo e para aqueles que ainda continuaram esta atividade, começaram-se a introduzir adubos químicos (“guanos”). Os estrumes exigiam maiores quantidades e, por isso, eram mais difíceis de transportar, uma das razões pela qual foram sendo abandonados e substituídos pelos “guanos”.

A pouca mão-de-obra também se traduziu em menor disponibilidade e capacidade para aplicar enxofre, contra a larva-lema após a colheita da cereja. Este inseto alimenta-se da clorofila das folhas das cerejeiras, ou seja, da parte verde, impedindo-as de fazer a fotossíntese e assim de produzir energia para as suas funções vitais e de acumular reservas para o ano seguinte.

Um pouco mais tarde, com a chegada dos herbicidas químicos e porque se deixava de cultivar tão intensamente hortícolas, as infestantes começaram a ser controladas por via química, em vez da via manual (foice, enxada e sacho). Mais recentemente, com a chegada da Drosophila suzukii a mosca que agora ataca massivamente a cereja, introduziram-se os inseticidas químicos.

Todo isto levou a um enfraquecimento da vida, no solo e em todo o ambiente envolvente às cerejeiras. A adormecida incompatibilidade começou então a manifestar-se, com a mortalidade em massa nas zonas mais quimicamente carregadas. Como se não bastasse, os invernos outrora frios e chuvosos, bem como as primaveras húmidas deixaram de o ser.

Assim sendo, passou a existir menos água infiltrada em profundidade, reduzindo-se as imprescindíveis reservas para atravessar os meses de verão, numa fruticultura ainda de sequeiro. Mais uma vez o sistema radicular superficial das ginjeiras não permitiu uma adequada adaptação das cerejeiras aos novos tempos.

Assim, árvores débeis, quer pela má nutrição, quer pela química de toda a ordem, quer pela seca e tempo quente, levam de modo irreversível a que a incompatibilidade se manifeste frequentemente. Ou seja, um fenómeno que naturalmente poderia ocorrer esporadicamente, passou a ser regra.

Com toda esta panóplia de fatores e conjuntura adversa, os fungos decompositores da matéria orgânica, como a Amillaria mellea, começaram a atacar a única matéria orgânica que ainda restava no solo, as raízes das cerejeiras.

Existe ainda mais um fator nesta equação de mortalidade, o envelhecimento natural das árvores. Habituamo-nos a que as árvores produzissem infindavelmente e esquecemo-nos que as árvores são também seres vivos e que, por conseguinte, nascem, crescem e morrem. Deste modo, a par de todos estes problemas é perfeitamente normal que cerejeiras enxertadas em ginjeiras com 30 ou mais anos, morram simplesmente por estarem velhas.

Estes desequilíbrios de ordem social, climática e ecológica levaram ao atual definhar das cerejeiras no Jardim da Serra. Podemos hoje notar que as manchas de cerejeiras que persistem, estão enxertadas em cerejeira brava ou Prunus avium, continuam a ser fertilizadas, tratadas e até regadas. O futuro desta cultura no Jardim da Serra depende assim, de dois fatores: a experimentação e o cultivo.

Por um lado, da investigação e experimentação de porta-enxertos que combinem boa compatibilidade, com resistência aos fungos, entre eles, a Amillaria mellea e à seca, bem como, promovam boas produções. E, por outro, um cultivo adequado que promova o equilíbrio do solo e do ambiente envolvente.

É, portanto, imperativo, abolir todo e qualquer tipo de herbicida, «guano» e/ou inseticida químico dentro dos ainda existentes cerejais. E voltar à aplicação de estrumes bem curtidos ou composto orgânico no solo, ao controlo mecânico ou animal das infestantes e ao tratamento com fungicidas e inseticidas biológicos. É preciso, pois, uma mudança radical, neste sector, para continuarmos a produzir boa cereja, digna de ser colocada «em cima do bolo».

 

As principais pragas e doenças na cultura da cerejeira

Pragas

cereja mosca da fruta - Mosca da fruta (Ceratitis capitata Wield), que ataca os frutos, deixando-os sem valor comercial (impróprios para consumo).

Os meios de controlo podem passar pela sua captura através de armadilhas, pela destruição de hospedeiros alternativos e pela limpeza de toda a fruta que cai no pomar.

cereja mosca asa manchada Aos primeiros sinais da presença da mosca (Drosophila suzukii – mosca de asa manchada), para além das referidas armadilhas poderá haver um controlo químico complementar, existindo 2 produtos homologados para a cerejeira (Karate Zeon e Epik SG).

O Karate Zeon (substância ativa lambda cialotrina) usado na concentração de 12,5ml/hl, máximo duas aplicações com intervalo de 14 dias. O Epik SG (substância ativa acetamiprida), usar na concentração de 45g/hl, também máximo duas aplicações com intervalo de 14 dias, sendo que os dois produtos fitofarmacêuticos têm um Intervalo de segurança de 14 dias.

cereja afideos- Afídeos ou piolhos (Myzus cerasi (F.)) – piolho negro da cerejeira), que se alimenta das folhas enrolando-as e dos jovens rebentos enfraquecendo as plantas.

Os meios de controlo são a captura em placas cromotrópicas amarelas e o tratamento químico com produtos homologados, logo no seu aparecimento.

Esta praga é mais importante nas plantas jovens, no viveiro, no início da primavera. Ninfas aparecem na parte aérea, (folhas da árvore), formando colônias extensas.

Os afídeos devem ser pulverizados aos primeiros sinais. Mais tarde a árvore é novamente tratada - antes do início da floração. Se necessário, no verão, o tratamento com inseticidas pode ser repetido.

cereja lesma- Larva lesma (Caliroa cerasi L.), que se alimenta das folhas debilitando as plantas.

Os meios de controlo são tratamentos químicos à base de enxofre em pó, após a colheita dos frutos.

Este inseto tem uma cor preta brilhante. O nome tem origem no fato da larva esverdeada, com forma de uma vírgula, estar coberta com muco preto. Hiberna no solo a uma profundidade de 5-15 cm, dependendo da temperatura. Na primavera, a pupa vem à superfície aparecendo assim os primeiros insetos adultos. Estes colocam ovos na parte superior das folhas, que servirão de alimento para as larvas, e no início de setembro descem e enterram-se no solo, na forma de pupas.

Com uma leve escarificação do solo no outono, eliminamos muitas pupas. Se a invasão for maciça, o solo deve ser pulverizado.

- Nemátodos (Pratylenchus, Criconemoides, Helicotylenchus e Xiphinema), seres microscópicos que se alimentam das raízes e podem transmitir vírus, reduzindo o vigor e a produção das plantas e podendo eventualmente causar a sua morte.

Os meios de controlo são a utilização de compostos orgânicos, de modo a equilibrar a fauna do solo e, em casos graves, efetuar tratamentos químicos.

(Continua e conclui no próximo número do DICA)

Miguel Teixeira
Direção Regional de Agricultura

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