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Os resíduos de pesticidas e a agricultura biológica (parte I)

pesticidas agricultura biologica 2 Introdução

O modo de produção biológico (MPB) é um sistema de gestão agrícola e produção alimentar que combina as melhores práticas ambientais, com preocupações em termos da garantia da biodiversidade, da preservação dos recursos naturais, com padrões elevados de bem-estar animal e que apela à utilização de substâncias e processos naturais.

A utilização de pesticidas no MPB é bastante limitada, contudo, porque todo o circuito de produção, armazenamento, transporte, processamento e comercialização ocorre num sistema aberto, onde são utilizados pesticidas e biocidas, é sempre possível que estes possam ser detetados nos controlos de resíduos levados a efeito pelos organismos de certificação (OC) ou pelos serviços oficiais de controlo.

Os resíduos detetados podem ter fundamentalmente duas origens: i) fraude (utilização ilegal de pesticidas na produção ou mistura com produtos convencionais) ou ii) contaminação (sem que esteja associada a qualquer intervenção do produtor). Apesar de existirem técnicas para apuramento da sua origem, é quase impossível distinguir as duas fontes de resíduos.

As análises de resíduos são um dos instrumentos mais importantes utilizados no controlo do MPB. Tanto os OC como os organismos oficiais de controlo podem colher e analisar amostras para se inteirarem da presença de produtos não autorizados, confirmarem a utilização de técnicas interditas ou avaliarem a ocorrência de contaminações. Cada OC tem a obrigatoriedade prevista no Artigo 65 do Regulamento (CE) n.º 889/2008 de colher amostras em, pelo menos, 5% dos operadores sob seu controlo. Esta pequena percentagem representará um esforço financeiro significativo dada a multiplicidade de substâncias ativas que devem de ser analisadas e que têm de atingir várias centenas para que o espectro analítico coberto possa ser considerado adequado.

Limiares permitidos

pesticidas agricultura biologica 3 Ao contrário do que acontece, por exemplo, com os alimentos infantis, para os quais está definido um limite máximo de resíduo (LMR) de 0,01 mg kg-1 [1] [2] [3], não existe qualquer LMR definido para a agricultura biológica nem qualquer guia da Comissão Europeia dedicado à interpretação dos resultados analíticos. [4] [5].

Em 2001, a associação alemã Bundesverband Naturkost Naturwaren Herstellung und Handel (BNN) acordou, entre os seus membros, o estabelecimento de um valor de orientação de 0,010 mg kg-1. Este primeiro valor de orientação foi posteriormente generalizado e adotado na Europa por diversas organizações do sector como as associações suíças de produtores biológicos Bio Suiss e Switzerland Migros Bio [4].

pesticidas agricultura biologica 4 Em 2012, a International Federation of Organic Agriculture Movements (IFOAM), a mais importante organização mundial do sector [4] [5], seguiu o mesmo limiar da BNN designando-o de “nível de ação” [6] mas mantendo o seu carácter de nível orientador. Também a European Organic Certifiers Council (EOCC) uma organização que representa os organismos de certificação, adotou o mesmo limite de ação de 0,010 mg kg-1.

 

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A não satisfação deste limiar não determina, para qualquer das organizações, a despromoção imediata dos produtos biológicos (BIO) ou a sua interdição de comercialização.

Nos Estados Unidos, o limiar de 0,010 mg kg-1 é também utilizado como referência, ocorrendo interdição da comercialização do produto como BIO se o teor doseado for superior a 5% da tolerância estabelecida pela Environmental Protection Agency (EPA) ou superior a 5% do limite de ação estabelecido pela U.S. Food and Drug Administration (FDA), que tem à sua responsabilidade o controlo dos produtos proibidos. Quando o pesticida detetado não possui um limiar de referência estabelecido, a interdição processa-se com a ultrapassagem do limiar de 0,010 mg kg-1 [7].

Na Itália, o LMR oficial estabelecido por Decreto Ministerial para os produtos BIO é 0,010 mg kg-1. Na Bélgica, que possui uma legislação específica, está estabelecido que, se um teor de resíduo for superior a 1,5 x LOQ (limite de quantificação) um produto não pode ser comercializado como BIO e o OC tem de despromover o produto [4] [8]. Se no seguimento da investigação for confirmada a existência de uma fraude, o produtor sofre uma penalidade. Teores mais baixos dão origem a uma investigação mas o produto não é imediatamente suspenso.

A análise destas diferentes abordagens permite concluir que, quando o limiar de referência é considerado como puramente orientador, a sua ultrapassagem determina apenas uma suspeição devendo-se dar origem à investigação preconizada no Artigo 91 do Regulamento (CE) N.º 889/2008. Quando o limiar de referência é tido como crítico, a sua ultrapassagem leva automaticamente à despromoção do produto, independentemente de ser ou não iniciada uma investigação.

 

Referências:

[1] Comissão Europeia, “Directiva 2006/141/CE da Comissão de 22 de Dezembro de 2006 relativa às fórmulas para lactentes e fórmulas de transição e que altera a Directiva 1999/21/CE.,” JO L 401 de 30.12.2006, 2006.

[2] Comissão Europeia, “Directiva 2006/125/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2006 , relativa aos alimentos à base de cereais e aos alimentos para bebés destinados a lactentes e crianças jovens,” JO L 339, 6.12.2006, 2006.

[3] Comissão Europeia, “Regulamento Delegado (UE) 2016/127 da Comissão de 25 de setembro de 2015,” JO L 25 de 2.2.2016, 2016.

[4] Bernhard Speiser, Regula Bickel, Beat Huber and Jiri Urban, “Guideline for handling pesticide residues in Czech organic production. Jun 6,” FIBL, 2013.

[5] O. Tiryaki, “Pesticide Residues and Organic Production,” J. BIOL. ENVIRON. SCI., 2017, 11(31), pp. 11-23, 2017.

[6] IFOAM, “Guideline for Pesticide Residue Contamination for International Trade in Organic Version August 3,2011, updated March 12,” IFOAM EU GROUP, Brussels, 2012.

[7] United States Department of Agriculture -Agricultural Marketing Service -National Organic Program, “Responding to Results from Pesticide Residue Testing NOP 2613 Rev 02; 13- 9-2018,” 2018.

[8] “BioForum’s position on the IFOAM EU Guidelines for Pesticide Residues in organic,” [Online]. Disponível em: http://www.securbio.fr/BibliRessources/PagesSystem/ViewNodeFile.ashx?idnode=1073.

Paulo Fernandes
Divisão de Análises Veterinárias e Agroalimentares
Direção de Serviços dos Laboratórios e Investigação Agroalimentar
Direção Regional de Agricultura

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