Espécie carismática na Região, a Phaius wallichii encontrou entre os populares o nome de “rainha-das-orquídeas” e é, infelizmente, uma orquídea cada vez menos recorrente nos jardins madeirenses.
Oriunda de uma extensa faixa que vai desde a Índia à ilha de Sumatra, encontramo-la em densas florestas tropicais onde habita nichos luminosos, dos 900 aos 1300 metros de altitude, junto a encostas de ravinas ou em clareiras causadas pela queda de grandes árvores.
De acordo com a bibliografia especializada, a Phaius wallichii é considerada uma espécie de “quente a fresco”, suportando temperaturas mínimas noturnas entre os 16ºC e os 10ºC, respetivamente. De todas as ocorrências por mim registadas na ilha da Madeira, poucas situam-se acima dos 250m de altitude.
No fim da primavera do ano 2017, durante a sua época de floração, a planta que possuo na minha coleção produziu uma haste com sensivelmente 1m de altura, ostentando 12 flores alinhadas ao longo do terço superior da haste basal.
Abrindo-se consecutivamente, com um ou dois dias de intervalo entre cada, o imaculado rebordo branco do labelo, contrastante com o ocre das restantes tépalas rapidamente se tingia de cinzento-acastanhado, resultado de algum tipo de necrose que não foi possível identificar, estragando, paulatinamente, a quase totalidade do labelo, tendo este processo sucedido a todas as flores que entretanto abriram, não mostrando, ainda assim, qualquer outro sinal de falta de vitalidade.
Volvido um ano e chegando à sua época de floração, a planta voltou a produzir uma longa e saudável haste. Relativamente às condições de cultivo, alteraram-se as condições de luminosidade, aumentando-a e esperando, com isso, afastar ou reduzir a hipótese de algum tipo de bolor, mas infelizmente o problema manteve-se.
À observação a olho nu podiam-se encontrar tripes, um sério flagelo e perigo às culturas hortícolas e de ornamentais na Região, dado que estes insetos causam enormes estragos ao roerem, superficialmente, uma enorme área da flor, e mesmo nas folhas, maculando-as e retirando-lhe valor estético.
Sabia-se, também, que as Phaius reagem com extrema oxidação a qualquer perturbação celular, facto comprovado pela quase instantânea oxidação da zona de corte do pedúnculo, aquando da remoção da flor afetada.
Como método preventivo, foi aplicado um inseticida contendo 400 g/L ou 37,7% (p/p) de dimetoato, com uma segunda aplicação passados 10 dias, e um fungicida com 83% (p/p) de captana.
Com a recorrência dos sintomas, apesar dos tratamentos efetuados, foram enviadas três flores afetadas para o Laboratório de Qualidade Agrícola, da Direção Regional de Agricultura, na Camacha, onde foram feitas análises ao nível da entomologia, micologia e bacteriologia.
Passado menos de duas semanas, foi entregue um relatório onde se lia:
- Resultados do Laboratório de Bacteriologia: sem qualquer fitopatogenia nos três estágios de desenvolvimento;
- Resultados do Laboratório de Micologia: 1.º e 2.º estágio de desenvolvimento sem qualquer fitopatogenia e 3.º estágio - presença de Stemphylium botryosum;
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- Resultados do Laboratório de Entomologia: 1.º estágio - presença de um adulto alado de Aphis fabae (pulgão), 2.º estágio - presença de 1 adulto de Thrips tabaci (tripes) e 3.º estágio - nenhuma.
Após uma discussão de ideias telefónica com o organismo em questão, explicou-se que aquilo que à partida pareceria uma mancha homogénea e uniforme possuía, afinal, camadas, sugerindo uma espécie de raspagem, corroborando a hipótese de os tripes terem, de facto, peso neste problema. Relativamente aos afídios, o tipo de picada causado por este inseto não coadunava, à partida, com o tipo de danos encontrados e por fim, explicou-se que o fungo encontrado ocorria apenas no 3.º estágio, sugerindo não tratar-se do causador dos sintomas, mas antes um fungo oportunista que se instalaria nas zonas já afetadas.
Ainda que o fungo encontrado seja causador de máculas de aspeto seco e necrótico em folhas, sugerindo-se, para tal, que se removesse qualquer superfície acomodada a fim de diminuir a área doente e eliminando uma possível fonte de esporos, formulou-se a hipótese de que algo estaria a abrasar o labelo, bem mais sensível e fino que a restante superfície da flor, onde então a planta reagiria, segundo o seu temperamento genético, com uma oxidação violenta e eventualmente promovendo uma superfície sensibilizada onde o fungo se poderia instalar.
Após este debate, sugeriu ainda um outro problema. Tendo em conta que as flores começavam a abrir imaculadas, evidenciado sinais de necrose após algumas horas ou, no máximo, um dia após abertas e sendo os tripes insetos tão pequenos, não seria de esperar que estes sinais fossem mais precoces?
A resposta poderá estar no pormenor de ter encontrado, por várias ocasiões, a antera caída dentro do labelo, sugerindo uma tentativa de polinização frustrada. Ainda que não tenha avistado neste caso em específico, sabe-se que os abelhões do género Bombus visitam regularmente outras orquídeas como Cymbidium ou Cattleya. Ao agarrar-se ao labelo para entrar na estrutura tubular, feriria esta pétala nas diversas tentativas de adquirir uma recompensa de néctar, explicando o porquê de este problema apenas surgir assim que a flor abria verdadeiramente. Ainda que um grande número de orquídeas não possuir néctar, o esporão nas flores deste género sugere um depósito do líquido doce, tornando-as ainda mais atrativas para esses insetos.
Finalmente, e com apenas um botão por abrir, optou-se por isolar a planta numa zona interior, de modo a poder verificar se haveria alguma alteração à condição recorrente. À data da redação deste testemunho, a flor encontra-se aberta já há dois dias, sem qualquer sinal de necrose. Por si só, isto não justifica a causa “Bombus”, até porque as frequentes aplicações de inseticida poderão ter aniquilado os tripes ou ainda tratar-se de um problema combinado, eliminando diferentes vetores com diferentes métodos, mas valida-se pela experiência e pela abordagem profissional que foi dada pelos técnicos, colocando alguma luz sobre um problema que tem sido reportado por diversos entusiastas e cultivadores desta orquídea na ilha da Madeira.
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Phaius wallichii com sinais de necrose |
Phaius wallichii sem sinais de necrose |
Pedro Spínola
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