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As implicações da presença de resíduos de Clorato e Perclorato nos alimentos

clorato perclorato Os cloratos são sais do ácido clórico com atividade herbicida e biocida resultante da sua forte ação oxidante, destruindo os tecidos através da libertação de oxigénio. Apesar de não estarem autorizados como pesticidas na União Europeia (UE) desde 2008 [1] e de não figurarem na lista de biocidas autorizados [2] de acordo com a Diretiva 98/8/CE (Diretiva dos Produtos Biocidas) e Regulamento (UE) N.º 528/2012 (Regulamento dos Produtos Biocidas), os cloratos continuam a ser utilizados pela indústria no branqueamento de papel, curtimento de peles, tratamento de metais e pirotecnia. Devido às suas propriedades, podem ainda ser utilizados na cosmética ou na higiene oral.

Ao nível de efeitos na saúde humana e animal é conhecida a sua ação na supressão da absorção do iodo e o seu envolvimento na formação de neoplasias na tiroide e pâncreas [3] [4]. A formação da meta-hemoglobina foi ainda identificada como sendo o seu efeito agudo mais crítico, diminuindo a capacidade de transporte de oxigénio por parte dos glóbulos vermelhos.

São diversas as situações em que os produtos alimentares podem ser contaminados por cloratos. A contaminação pode ter origem no clorato existente naturalmente no solo ou da utilização de fertilizantes de nitrato e fosfato de potássio, que possuem alguma quantidade de clorato [5]. Pelo facto de ser um produto secundário da utilização de cloro, dióxido de cloro ou hipoclorito na desinfeção da água, suspeita-se que uma das maiores fontes de contaminação tenha que ver com a utilização de água potável na irrigação, lavagem, desinfeção de superfícies, hidroarrefecimento dos vegetais ou ainda na produção de alimentos como na produção de sumos a partir de concentrados. A utilização de hipoclorito como biocida é totalmente legítima na UE e é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a desinfeção da água. A própria OMS estabeleceu, para a água potável, um limite de 0,7 mg/L para o clorato[6].

Apesar de não existir ainda um consenso acerca do limite toxicológico que deve ser considerado seguro para os consumidores, o clorato está sujeito, nos produtos vegetais e nos alimentos infantis, a um Limite Máximo de Resíduo (LMR) de 0,01 mg/kg por parte da legislação comunitária e nacional, pelo facto de ter sido anteriormente utilizado como um herbicida.

Programas de monitorização recentemente efetuados mostraram uma taxa de infrações elevada, dificilmente explicada pela utilização de produtos fitofarmacêuticos. Por via desta situação, muito provavelmente associada ao tratamento da água e que não foi considerada quando do estabelecimento do LMR, as autoridades competentes acordaram em refrear a notificação de infrações até que fosse estabelecido um limite consensual para o clorato que servisse os agentes económicos e não colocasse em risco a saúde dos consumidores [7] [8] [9].

À semelhança do clorato, o perclorato é um sal do ácido perclórico, também com ação oxidante, que pode contaminar os alimentos e a água potável. Ocorre naturalmente no ambiente, a partir de depósitos de nitrato e potassa [10] ou a partir da precipitação da atmosfera onde também se forma a partir do cloro.

Pode ainda ter uma origem antropogénica, decorrente da utilização de fertilizantes com nitrato, da produção, uso e deposição de perclorato de amónio utilizado em propelentes de mísseis, explosivos, sinalizadores, fogo-de-artifício, gases de air-bag e outros processos industriais ou ainda formar-se a partir da degradação do hipoclorito de sódio ou cálcio utilizado para desinfeção de água [11][12].

Recentes monitorizações de perclorato, realizadas ao nível da UE, vieram mostrar que a presença deste contaminante, tal como acontece para o clorato, está mais generalizada do que inicialmente se previra. Tal como o clorato, a sua presença pode provocar efeitos adversos devido à sua ação sobre a tiroide nos humanos e animais, contudo, a sua ação é muito mais potente [13][14].

Questionada pela Comissão Europeia acerca dos riscos da exposição ao perclorato por parte de diferentes grupos da população, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) concluiu da existência de potenciais riscos crónicos para os grupos etários mais jovens com carências de iodo. Paralelamente, apontou alguma preocupação com as exposições de curta duração em bebés e crianças jovens, com baixo consumo de iodo [11].

Não estão definidos limites máximos para o perclorato na UE, contudo, no sentido de ultrapassar alguma tensão no comércio intracomunitário, as Autoridades Competentes dos diferentes Estados Membros acordaram em não tomar qualquer ação se os valores detetados fossem inferiores aos limites de referência provisórios estabelecidos pelo Comité Permanente da Cadeia Alimentar e da Saúde Animal (SCFCAH) em 16 de julho 2013, revistos em 10 de março de 2015 [15], entendidos como exequíveis e suscetíveis de proporcionar a necessária segurança aos consumidores.

 

Tratando-se de um contaminante que não se enquadra em qualquer plano atualmente a decorrer, a UE recomendou que, a partir de 2015, fosse monitorizada a sua presença nos géneros alimentícios [16].

O Laboratório Regional de Veterinária e Segurança Alimentar dispõe, desde o início 2017, de metodologias de análise para estes dois analitos através de um método analítico que utiliza a cromatografia líquida com deteção por triplo quadrupolo de massas e irá submeter as amostras colhidas no âmbito dos planos de controlo de resíduos a estas duas determinações. Pretende-se, no final de 2017, fazer uma primeira estimativa do grau de exposição da população a estes contaminantes que, não sendo novos, têm merecido, nos últimos anos, uma atenção especial.

Paulo Fernandes
Divisão de Análises Veterinárias e Agroalimentares
Direção de Serviços dos Laboratórios e Investigação Agroalimentar
Direção Regional de Agricultura

[1] CE, Decisão 2008/965/CE da Comissão de 10 de novembro de 2008 relativa à não inclusão da susbstância ativa clorato no anexo I da Diretiva 91/414/CEE, 2008.

[2] ECHA, “European Chemical Agency,” 2017. [Online]. Available: https://echa.europa.eu/. [Acedido em 04 02 2017].

[3] M. Hooth, A. DeAngelo, M. George, M. Gaillard, G. Travlos, G. Boorman e D. Wolf, “Subchronic Sodium Chlorate Exposure in DrinkingWater Results in a Concentration-Dependent Increase in Rat Thyroid Follicular Cell Hyperplasia,” Toxicologic Pathology, Vol 29, no 2, pp 250–259, 2001, vol. 29, p. 250–259, 2001.

[4] National Toxicology Program, “NTP - Technical Report on the Toxicology and Carcinogenesis Studies of Sodium Chlorate (CAS NO. 7775-09-9) in F344/N Rats and B6C3F Mice,” U.S. Department of Health and Human Services , 2005.

[5] EFSA, “Scientific Opinion - Risks for public health related to the presence of chlorate in food,” EFSA Journal, vol. 13(6), 2015.

[6] WHO, “Chlorite and Chlorate in Drinking-water - Background document for development of Guidelines for Drinking-water Quality,” p. 31p, 2005.

[7] ACM, “Advisory Committee on the Microbiological Safetty on Food - Changes to plant protection product and biocide MRLs: potential impact on food safety. Discussion Papper, Secretariat,” Jan 2016.

[8] I. Kaufmann-Horlacher, A. Benkenstein, E. Eichhorn, C. Wildgrube, E. Scherbaum e M. Anastassiades, “Chlorate and Perchlorate Residues in Food of Plant Origin; EPRW 2016,” Limassol, 2016.

[9] I. Kaufmann-Horlacher, “Chlorate Residues in Plant-Based Food: an Update,” 09 04 2015. [Online].

[10] A. Srinivasan e T. Viraraghavan, “Perchlorate: Health Effects and Technologies for Its Removal from Water Resources,” International Journal of Environmental Research and Public Health, vol. 6, pp. 1418-1442, April 2009.

[11] EFSA, “European Food Safety Authority - Scientific Opinion on the risks to public health related to the presence of perchlorate in food, in particular fruits and vegetables.,” EFSA Journal, 2014.

[12] R. Garcia-Villanova, M. Leite, J. Hierro, S. Alfagemeb e C. Hernánde, “Occurrence of bromate, chlorite and chlorate in drinking waters disinfected with hypochlorite reagents. Tracing their origins,” Science of The Total Environment, vol. 408, p. 2616–2620, 15 May 2010.

[13] E. N. P. L. E. B. Angela M. Leung, “Perchlorate, iodine and the thyroid,” Best Practice & Research - Clinical Endocrinology & Metabolism, vol. 24, pp. 133-141, Feb 2010.

[14] N. Mervish, A. Pajak, S. Teitelbaum, S. Pinney, G. Windham, L. Kushi, F. Biro, L. Valentin-Blasini, B. Blount e M. Wolff, “Thyroid Antagonists (Perchlorate, Thiocyanate, and Nitrate) and Childhood,” Environmental Health Perspectives, vol. 124 , pp. 542-549, April 2016.

[15] CE,“http://ec.europa.eu/food/food/chemicalsafety/contaminants/docs/
statement_perchlorate_in_food_en.pdf,” 2015. [Online].

[16] CE, “Recomendação (UE) 2015/682 da Comissão de 29 de abril de 2015 relativa à monitorização de perclorato nos géneros alimentícios,” Jornal Oficial da União Europeia L111 , 2015.

 

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