Na Região Autónoma da Madeira (RAM), a produção de cogumelos tem vindo a crescer devido à elevada procura dos consumidores. Em 2018, o valor do mercado global de cogumelos edíveis foi avaliado em 37 mil milhões de euros. Além da sua utilização no setor alimentar, os cogumelos têm potencial de aplicação biotecnológica e farmacêutica.
No âmbito do Curso Superior Técnico Profissional de Agricultura Biológica, da Universidade da Madeira, foi realizado um estágio, em contexto de trabalho, proposto pela Divisão de Inovação Agroalimentar - DIA, da Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DRA).
Este estágio teve por objetivo estratégico o desenvolvimento de processos e produtos inovadores e sustentáveis baseados na valorização de resíduos agrícolas resultantes de processos de produção primários, nomeadamente o desenvolvimento de diferentes substratos para a produção do cogumelo comestível Pleurotus ostreatus.
Para dar início a este ensaio foi necessário proceder à seleção, recolha e secagem dos diferentes resíduos agrícolas a utilizar como substratos (figura 1).
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Figura 1 – Resíduos agrícolas da RAM utilizados na produção de cogumelos Pleurotus ostreatus |
De salientar que foram utilizados como substratos o bagaço de maçã (BM), a palha de bananeira (PB), o bagaço de cana-de-açúcar (BC) e o bagaço de uva (BU), isoladamente e em mistura (MIX) de proporções iguais.
A preparação do substrato requer o corte e trituração das matérias primas, a humidificação das mesmas e o tratamento pelo calor, através da pasteurização. De salientar que a pasteurização, é o método mais utilizado, por ser de fácil utilização e eliminar a maioria dos organismos contaminantes. Após a pasteurização do substrato, este deve ficar à temperatura ambiente até arrefecer e só depois será colocado nos sacos, com adição de CaCO3 para corrigir o pH do substrato (figura 2).
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Figura 2 – Procedimentos necessários à preparação do substrato |
A inoculação consiste em adicionar spawn (semente do cogumelo) numa proporção de 10% do peso de substrato no saco, em condições de higiene. Após a inoculação, o ar dos sacos é retirado e estes são fechados com um nó bem apertado e com a ajuda de fita-cola.
Os sacos são colocados em condições de temperatura (20 a 22ºC) e humidade (80-90%) adequadas para a incubação que demora entre 20 e 30 dias. Nesta fase, a ausência de luz (total escuridão), é um fator imprescindível.
De referir que, após dois a três dias de incubação, realizam-se furos no saco com uma faca gráfica desinfetada em álcool a 70%. A quantidade de furos e o tamanho dos furos dependem do tamanho do saco.
A frutificação tem início na sala de incubação, com o aparecimento dos primórdios. Aquando do aparecimento de um primórdio bem formado, o saco deve ser conduzido à sala de frutificação que deverá apresentar temperaturas entre 15 e 24ºC, humidade relativa de 85% e renovação de ar.
Neste período de frutificação, a rega é essencial para evitar a desidratação do cogumelo e para manter a humidade necessária à formação de novos primórdios. Também é importante um fotoperíodo de 12 horas de escuro e 12 horas de luz (luz difusa do dia é suficiente ou lâmpadas fluorescentes).
O período de frutificação tem a duração de 4 a 6 dias, após o qual faz-se a colheita dos cogumelos que devem ser mantidos à temperatura de 2ºC a 4ºC e humidade relativa entre 85% e 95%.
Geralmente, o Pleurotus ostreatus possui três frutificações. O período de repouso/incubação entre cada uma delas varia entre 20 e 30 dias.
Após todas as frutificações, o substrato pode ser utilizado para composto na agricultura e jardinagem ou enterrado no solo, a uma profundidade de 30cm.
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Figura 3 – Diferentes fases da produção de cogumelos Pleurotus ostreatus |
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Com este estágio, procurou-se compreender as eventuais diferenças de produção dos cogumelos, consoante os diferentes substratos, quer a nível das características do corpo de frutificação, rendimento e respetiva avaliação sensorial.
Após a colheita dos corpos de frutificação, o rendimento foi calculado utilizando a seguinte fórmula: [kg cogumelo fresco/kg substrato] X 100 (Castro et al., 2006).
No âmbito da avaliação sensorial dos cogumelos, foi pedida a colaboração da Câmara de Provadores da DRA – AgroSenseLab, que procedeu à avaliação hedónica e intenção de compra.
Resultados obtidos e discussão
No caso do bagaço de maçã (BM) verificou-se que este substrato ficou contaminado com fungos como o Penicilium sp. e Rhizopus stolonifer, que inibiram o desenvolvimento do Pleurotus ostreatus. No entanto, quando misturado com os outros substratos no Mix, apresentou viabilidade.
Nos substratos de bagaço de cana (BC) e bagaço de uva (BU), foram obtidas apenas duas frutificações, enquanto que na palha de bananeira (PB) e no Mix, obtiveram-se três frutificações.
De salientar que o substrato Mix foi o que apresentou valores superiores de rendimento, quando comparado aos outros substratos usados de forma isolada, nomeadamente a palha de banana (PB), bagaço de uva (BU) e bagaço de cana (BC). No entanto e relativamente aos outros substratos, a palha de banana (PB) apresentou os maiores valores de rendimento (tabela 1).
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Tabela 1 – Valores de peso (gr) obtidos por saco e tipo de substrato, nas diferentes frutificações obtidas |
Os rendimentos médios para os substratos Mix, palha de bananeira (PB), bagaço de uva (BU) e bagaço de cana (BC) demonstram a viabilidade do processo para qualquer tipo de substrato, exceto no bagaço de maçã (BM) isolado (tabela 2).
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Tabela 2 – Valores totais de produção e de rendimento para cada um dos tipos de substratos utilizados |
Entre todos os substratos, verificou-se que a mistura de todos os substratos (Mix) apresentou um rendimento total superior aos apresentados pelos restantes substratos utilizados isoladamente (gráfico 1).
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Gráfico 1 – Valores de rendimento total (%) obtidos para cada um dos diferentes tipos de substratos utilizados |
Conclui-se que a produção de Pleurotus ostreatus é possível nestes quatro substratos resultantes da produção agrícola regional. Sendo que o substrato mais produtivo e rentável foi a mistura deles todos (Mix) seguindo-se a palha de bananeira (PB).
O bagaço de maçã isolado não permitiu a obtenção de cogumelos, no entanto, quando misturado com os restantes substratos no Mix foi possível a sua produção.
A análise sensorial permitiu obter os perfis sensoriais dos cogumelos obtidos nos diferentes substratos e concluir que os cogumelos obtidos a partir da mistura (MIX) quando grelhados, foram os melhores, mas em cru foram os piores.
Os cogumelos obtidos do bagaço de uva (BU) e do bagaço de cana (BC), grelhados, a seguir da mistura (Mix), obtiveram os melhores valores na aceitação hedónica geral.
Os cogumelos resultantes da palha de bananeira, em cru, obtiveram bons resultados.
Nota: Agradecemos todo o empenho e dedicação do aluno Duarte Gonçalves, do CSTPSP Agricultura Biológica, ao longo do estágio e do trabalho desenvolvido no estágio.
Natália Silva Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
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