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culttrigo1O trigo é uma cultura adaptada às mais variadas condições de meio, necessitando apenas de algum período de frio para acelerar a sua diferenciação para a floração (processo designado de "vernalização"), embora já existam novas variedades que não recorrem a este "subterfúgio" para entrarem em floração (variedades neutras). As regionais necessitam deste período, para obterem um vigamento consequente e rentável, daí que a sua produção se circunscreva a zonas de altitudes, onde o regime térmico permite um desenvolvimento vegetativo completo.

Em termos de precipitação, as necessidades do trigo podem ser totalmente cobertas pelas quedas pluviométricas (nas suas diferentes vertentes) características das zonas em que se situa, na ilha da Madeira, permitindo o seu cultivo em sequeiro. Na ilha do Porto Santo, a situação é algo diferente, dadas que as quedas pluviométricas totais são bastante baixas e mal distribuídas, originando-se algumas carências hídricas em fases fenológicas críticas da cultura, nomeadamente na fase do "afilhamento", da floração e, muito principalmente, na maturação, quando a disponibilidade de água é fundamental para o ganho de peso do grão que vingou.

No que respeita a solos, o trigo tem uma boa adaptação a diferentes situações. Pelas características dos regionais onde é praticada a cultura, o fator pedológico não se constitui como limitação.

Os agricultores madeirenses têm uma maior preferência pelas variedades de "palha alta", mesmo que isso implique alguns problemas e riscos na sua produção (nomeadamente o fenómeno de "acama").

trigo3Neste sentido, e porque o melhoramento genético nesta espécie está mais dirigido para a obtenção de variedades produtoras de grão, estando a questão da palha secundarizada, as variedades atuais estão um pouco inadequadas para a realidade madeirense. Para além disso, as "velhas" variedades regionais respondem de forma mais que eficaz aos anseios dos produtores, razão pela qual o seu uso nunca foi abandonado e ser enorme o património genético nesta espécie.

Mais recentemente, foram experimentadas algumas variedades antigas e características de outras zonas nacionais, das quais destacamos o "Almansor", o "Centrauro", o "Mondego", o "Sorraia", entre outros, com bons resultados, dado que eram variedades de "palha alta" e aristadas (com direta influência na defesa contra os ataques de aves). Sem nunca abandonar as variedades regionais, existem alternativas para outras situações de produção que se possam deparar, que também garantem uma boa compensação do seu cultivo.

A cultura do trigo depara-se com alguns constrangimentos no que respeita à sua expansão na Madeira.

O primeiro relaciona-se com a estrutura agrária madeirense, predominantemente constituída por pequenas explorações, extremamente pulverizadas, o que conduz a uma reduzida mecanização do seu cultivo, com os consequentes encargos mais elevados relacionados com a mão-de-obra, por vezes escassa.

Em segundo lugar aparecem as dificuldades postas pela orografia extremamente sinuosa da Madeira, que conduziu à necessidade de construção dos famosos "poios", mas que dificulta o acesso às explorações agrícolas regionais.

Em terceiro lugar, e como consequência das duas primeiras, assistiu-se a uma forte tendência dos agricultores em apostar em culturas mais intensivas, das quais destacamos as hortícolas, a bananeira e a vinha, entre outras.

Em quarto lugar, o facto de hoje ser perfeitamente normal a importação de trigo de outras origens, assegurando as necessidades locais.

No entanto, existem algumas características vantajosas nesta cultura entre nós.

As variedades ditas "regionais" são constituídas por material introduzido há muitos anos, tendo adquirido características agronómicas e de utilização únicas. Efetivamente, estas variedades são bastante rústicas, têm uma produtividade bastante razoável e uma adaptabilidade extraordinária a todas as situações prevalecentes na Madeira e Porto Santo, para além das características da sua farinha serem invulgares e diferentes da obtida recorrendo a outras variedades.

Em segundo lugar, a emergência da agricultura biológica como uma realidade incontornável na RAM tem nesta cultura uma boa aposta, pelas razões referidas no parágrafo anterior, dado que a rusticidade das variedades locais fez com que sua produção recorra em muito pequena escala à utilização de produtos de síntese, aproximando muito as atividades a ela inerentes das que são recomendadas. Na verdade, os tratamentos fitossanitários são nulos e no seu cultivo praticamente só se regista a utilização de pequenas doses do chamado adubo químico e de estrumações generosas.

trigo7Como terceiro aspeto, menciona-se o tradicional "pão de casa da Madeira", o "bolo do caco" e a "sopa de trigo, relíquias da nossa gastronomia que só ganhariam com o incremento da produção de trigo regional, com os mesmos efeitos na economia agrícola madeirense.

Em quarto lugar, citamos a necessidade na produção de trigo para a manutenção e construção das casas típicas regionais (as "casas de Santana"), cuja cobertura depende em muito da produção de trigos de "palha alta" e com colmos de boa consistência. A realidade é que os trigos obtidos, mais recentemente, por seleção e melhoramento, tendem a ser de "palha baixa", beneficiando a produção de grão e desprezando os colmos (a altura mais baixa das plantas reduz mesmo os problemas de "acama").

Em suma, embora a cultura do trigo não tenha na atualidade o devido protagonismo, estamos convictos que o seu reaparecimento sustentado poderá ser uma realidade, mais voltado para a produção biológica e para suprimento das necessidades regionais, nas mais variadas vertentes da sua utilização.

Ricardo Costa
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural