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As evidências da presença secular de "melrinhos" (Stanhopea) na Madeira

melrinhos 1 Editado em 1909, o livro “The Flowers and Gardens of Madeira”, das irmãs Ella e Florence du Cane, nascidas na Tasmânia, apresenta uma série de referências escritas e gravuras que nos ajudam a imaginar e perceber como seriam alguns dos jardins e quintas madeirenses no início do século XX.

Florence, escritora, e Ella, dedicada às aguarelas, acabariam por fazer uma espécie de interrail pela China, Japão, Egipto, Canárias e Madeira. A sua experiência na Madeira acabaria por produzir o "The Flowers and Gardens of Madeira", título que, desde logo, apenas mudaria em relação ao sítio dedicado à obra.

Nas duas gravuras que temos abaixo, podemos não só constatar a presença de duas plantas de Stanhopea, como também os vasos típicos, em cerâmica, pendurados em pérgulas ou "corredores”.

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No entanto, se aprofundarmos a pesquisa, encontramos provas bem mais antigas, nomeadamente de 1838, que mostram, indubitavelmente, que este género já era cultivado na Região.

melrinhos 3 No livro “Edward´s Botanical Register – Ornamental Flowers, Garden and Shrubbery”, de John Lindley et all, permitindo-me a tradução, lê-se: “O sucesso com o qual estas epífitas são cultivadas pelo Sr. Paxton é fantástico, e o clima onde isto acontece, em vez de estarem tão quentes e húmidas, com o perigo de as vermos numa floresta indiana, é o clima ameno e maravilhoso da Madeira (...)”.

Este género, na Madeira conhecido e relembrado pelas duas mais comuns e antigas espécies, Stanhopea oculata – conhecida como “melrinhos de cheiro” ou simplesmente “melrinhos” –e ainda pela Stanhopea ruckeri – conhecida como “melrinhos de cera” ¬– é nativo da América Central e do Sul, quase sempre a crescer como epífitas, ou seja, sobre árvores e arbustos em condições sombreadas, tropicais ou subtropicais, experienciando, ou não, uma estação seca na natureza.

 

 

melrinhos 2 Por serem orquídeas extremamente vigorosas e resilientes, é frequente dizer que são difíceis de matar, pouco sensíveis à opção de substrato, podendo ainda ser cultivados em diferentes cotas. Ainda assim, assumindo o seu referencial de património botânico e cultural na Região, parece-nos importante que estas “flores antigas” possam encontrar as melhores condições possíveis de cultivo, através de algumas sugestões e indicações.

O entusiasta madeirense e portossantense tem já na sua memória “de jardim” a existência ou construção de cestos em rede, a reutilização de panelas furadas ou de qualquer outro suporte com espaços ou buracos, no qual o interior seria forrado com diferentes materiais. Por excelência ou por facilidade de obtenção, a palha de bananeira era comummente utilizada.

Os vasos de barro furados, icónicos e hoje em dia muito procurados, pelo custo associado ou pela facilidade em se partir, não eram amplamente utilizados pela população com menor poder de compra, mas faziam parte dos jardins dos madeirenses mais abastados, muitos deles tendo chegados até aos dias de hoje.

A olaria madeirense, nos vasos caracterizada pela linha ondulante à volta dos mesmos, era feita com um barro um tanto ou quanto quebradiço, pelo que esses objetos, os que tenham chegado aos nossos dias, encerram em si um enorme e inestimável valor que, à semelhança dos antigos clones de Stanhopea que habitam os nossos jardins, requerem catalogação, estudo e preservação.

Como acontece com as demais orquídeas, sendo, até muito recentemente, a divisão física a única forma de criar mais “plantas”, a verdade é que as Stanhopea atuais são as mesmas que temos nas nossas casas, com grande possibilidade e, imagine-se, geneticamente as mesmas que em 1909 inspiraram as irmãs a retratarem estas belíssimas orquídeas pendentes.

Atualmente, e observando de uma forma transversal as Stanhopea cultivadas na Região, o único e maior erro a notar é apenas a errada colocação destas plantas em sol pleno, especialmente durante o verão. Plantas com folhas largas, como é o caso, terão muito mais capacidade de suportar condições sombreadas do que sol.

Uma vez mais, é importante que não se confunda, em caso algum, a ideal de tropical com a ideia de “amante de sol”, sendo, quase sempre, questões antagónicas, uma vez que o período de maior calor das regiões tropicais corresponde ao período mais encoberto e nublado.

Com a abertura da sua época de floração, antecipando o seu inebriante perfume, que a muitos lembra a sua infância, é importante que entendamos a riqueza e a beleza das plantas que fazem da Madeira um jardim, podendo sempre encontrar espaço para melhorar e construir, inteligentemente, uma eterna primavera nas nossas ilhas.


Pedro Spínola

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