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Orquídeas e virologia - uma epidemia silenciosa à escala global

Naturalmente e à semelhança do que acontece com todos os outros seres vivos, as orquídeas são afetadas por uma série de agentes bióticos e não-bióticos que influenciam, de diversas formas, o seu desenvolvimento e saúde.

No campo biótico surgem as pragas animais, as bactérias, os fungos e ainda os vírus. Normalmente pouco conhecidos e de sintomatologia diversa e pouco específica, estes últimos acabam por ser, na maioria das vezes, interpretados por infeções fúngicas ou danos causados por carências nutricionais ou cicatrizes de agentes não-bióticos. No entanto, descurados, produzem dos efeitos mais nefastos, infetando populações inteiras, já que não há, para a esmagadora maioria, qualquer cura ou tratamento.

Até à data são conhecidos, nas orquídeas, cerca de 30 tipos de vírus diferentes que afetam diversos géneros e que, curiosamente, de género para género, se manifestam de forma distinta, tornando-se, por vezes, impossível diagnosticá-los corretamente sem recurso a testes laboratoriais.

Dois dos vírus que ganham maior foco e importância, quer pela sua disseminação global, quer pelos fortes danos comerciais que provocam, são o CyMV (Vírus do Mosaico do Cymbidium) e o ORSV (Vírus dos Anéis do Odontoglossum).

CyMV
Sintomas causados pelo Vírus do Mosaico do Cymbidium

Infelizmente, a Madeira não escapa a esta epidemia encontrando-se, quase todos os exemplares de orquídeas mais antigas, infetados com algum tipo destes vírus.

Isto passa-se, precisamente, pela não adoção de hábitos corretos de jardinagem, fruto, logicamente, de uma herança botânica que peca pela atenção a estes aspetos fitossanitários.

Passemos então a entender a principal forma de contágio destes vírus. A maioria dos vírus que infetam as orquídeas são transmitidos através do contacto direto com fluídos infetados, tais sejam trocas de seiva ou cortes com superfícies infetadas. Apesar de se admitir que a picada de determinados insetos possa veicular os vírus, não existem suficientes demonstrações científicas que justifiquem, à quantidade de fluídos trocados, a infeção significativa através deste método. Ao mesmo tempo, estes vírus são conhecidos como vírus de cativeiro, significando, à partida, que a infeção primordial terá acontecido em exemplares detidos em cativeiro, não se encontrando evidências destes dois vírus na natureza. O manuseio, assim, surge como principal forma de contágio.

A maioria dos cultivadores, pouco atentos, aquando da altura de efetuar as mudas e reenvasamento, acaba por utilizar um instrumento de corte, faca ou serra, para todas as plantas com que está a trabalhar. Assim, ao cortar uma planta infetada está, ao utilizar o instrumento numa outra sã, a infetá-la com os fluidos da planta doente, perpetuando-se o ciclo. Atendamos ao facto de as orquídeas serem plantas com elevada longevidade e temos, volvidos alguns anos, toda uma coleção infetada com vírus.

Apesar de muitas orquídeas poderem viver de forma assintomática com alguns vírus, outras poderão sucumbir rapidamente, mas, de um modo geral, qualquer planta infetada com vírus e sem cuidados definhará, gradualmente, no tempo, já que não existe qualquer cura para estas maleitas.

 

Existe, assim e sempre, uma grande dúvida relativamente ao seguimento a dar a estes casos. Para exemplares comuns, de fácil aquisição, o melhor será mesmo selar a planta num saco e depositá-la no lixo. Em exemplares raros, o cultivador poderá entende em isolar a planta ou mantê-la, lembrando-se sempre que qualquer manuseio daquela planta implicará cuidados redobrados como, além da esterilização de equipamento, a não reutilização do substrato e vasos.
Diagnosticar vírus poderá ser uma tarefa difícil, mas existem alguns sinais a ter em atenção. Qualquer padrão repetitivo nas folhas, com máculas mais verdes do que outras, sulcos, marcas pretas em estrias ou anéis que não cessam após tratamentos fitossanitários e que se perpetuam pelos ciclos vegetativos será um sinal de alerta. Outros, apenas se manifestam nas flores. Estrias descoloradas ou hiperpigmentadas são sinais a ter em atenção e que poderão indicar presença de vírus.

ORSV
Sintomas causados pelo Vírus dos Anéis do Odontoglossum

Sabe-se, hoje em dia e apesar de alguma controvérsia, que os vírus transmitem-se, por vezes, pelas sementes e outras vezes, não. Aliás, estudos efetuados em viveiros comerciais de orquídeas mostram que a prevalência de vírus em plantas seniores é significativa mais elevada do que em plantas jovens e quase nula em plantas que saíam da sementeira. Comprova-se, assim, que a taxa de prevalência destes agentes é proporcional ao números de vezes que as plantas são manuseadas e divididas.

Tomadas as devidas conclusões, mostrou-se ainda que a esterilização do material de corte entre grupos etários e o manuseio das plantas das mais jovens para as mais seniores diminuiu, significativamente, os novos casos de infeção viral.

Um problema que tem surgido no seio de algumas organizações é a denúncia de que grandes agentes comerciais poderiam estar a vender, a preços de chuva, exemplares infetados, livrando-se dessas plantas e desregulando os preços e dinâmicas comerciais no mercado. Ora, é essencial que qualquer entusiasta ou cultivador saiba que sinais procurar.

Logo e transversalmente, plantas que são vendidas como divisões, em grandes superfícies comerciais são plantas a evitar atendendo que, provavelmente, o mesmo instrumento de corte terá sido usado em todas. Desta forma, cabe ao comprador estar atento, inquirir o seu fornecedor, ancorando-se sempre a uma lógica de comunicação e observação.

Como relíquias do tempo dos navegadores, espécies de orquídeas raras habitam os jardins madeirenses e é profundamente lamentável que não exista um registo e acompanhamento das mesmas, tentando catalogar e possivelmente salvar esses espécimes. Infelizmente e face à descura, é difícil encontrar um grande espécime que não esteja já infetado com algum tipo de vírus.

É importante facultar ferramentas para que o entusiasta esteja preparado para lidar com estas situações que, silenciosas, são no entanto autóctones. Recomenda-se, assim, a leitura do artigo Detecting Virus in Orchids de Loren Batchman.

Pedro Spínola

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