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carbo vs intermedius

Não, não se trata de um jogo de futebol entre duas equipas com nomes estranhos. Mas, se fosse, o carbo jogaria em casa e o intermedius seria o visitante.

Desvendando, carbo e intermedius identificam o restritivo específico da espécie de um recurso, de seu género Aphanopus, que nos é muito familiar: o peixe-espada preto. Trata-se "tão somente" do ex-libris da pesca na Madeira: o Aphanopus carbo dos cientistas. Então, quem é este Aphanopus intermedius?

Pois, é um visitante inesperado. Apesar de Parin (1995) já o ter descrito para as nossas águas, esta espécie só ficou a descoberto, nomeadamente no que concerne às suas proporções de ocorrência, em 2008, no decurso do trabalho de investigação levado a cabo durante o projeto PESCPROF II.

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Recolha de informação biológica de peixe-espada preto e respetiva identificação por espécie.

Muito bem. Mas, que diferença faz saber-se que o peixe-espada preto (ou "espada"), capturado em águas madeirenses, seja composto por uma ou duas espécies? No ponto em que estamos do conhecimento deste recurso, pode fazer toda a diferença! Vou tentar explicar...

Há uns anos atrás, há duas ou três décadas, apesar de saber-se que a espada existia noutros locais do Atlântico, pensava-se que a população explorada comercialmente na nossa Região era só nossa. Isto é, a desova acontecia por cá (é um facto), as larvas cresciam, tornavam-se em pequenos peixes, alimentavam-se, reproduziam-se e morriam, por pesca ou por causas naturais, nas nossas águas. Hoje, sabemos que não é assim. O ciclo de vida da espada não se encerra sob o nosso domínio.

No fim do século passado, começou a surgir um forte interesse internacional sobre o conhecimento da biologia deste recurso, nomeadamente da parte do Reino Unido e da Espanha. Isto acontece porque, na composição do pescado multiespecífico dos grandes arrastões da frota europeia, começam a identificar significativas quantidades de espada. Nasce o BASBLACK, projeto comunitário cujo objetivo incidiu na recolha de informação base para a sua gestão. O BASBLACK acabou e muitas questões ficaram sem resposta. Porquê? Porque estamos a estudar um peixe de profundidade. Tudo é mais complicado! A estimação da idade, por exemplo, informação base para qualquer avaliação pesqueira, é um processo extremamente complexo no caso da espada, porque os métodos de leitura direta (através dos otólitos) baseados na variação do crescimento dos peixes em diferentes épocas do ano (Verão/Inverno), verdadeira para peixes demersais, sujeitos a estas variações, já não o são para peixes de profundidade, para os quais as variações do habitat são quase nulas. Também não será necessário referir que é impossível (pelo menos por enquanto) marcar um peixe de profundidade, como se fazem às tartarugas, para registar o seu percurso de vida.

As equipas constituídas nos primeiros projetos da espada continuaram a trabalhar e alguns avanços foram feitos. Contudo, as perguntas sobre este recurso ainda falam mais alto que as respostas. Por exemplo: onde estão os infantis (espécimes até os 50 cm de comprimento)? As informações existentes sobre os comprimentos desembarcados no Reino Unido mostram espécimes entre os 70 e os 100 cm de comprimento. Sabemos que são juvenis, ou seja, que ainda não entraram na sua fase adulta, não contribuíram para a continuação da espécie. Sabemos que os espécimes desembarcados em Sesimbra (Portugal Continental) possuem maioritariamente tamanhos entre os que referi e os nossos. 

 
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A. carbo: forma arredondada
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A. intermedius: forma alongada
com protuberância na zona do rostro

Importa referir que, os "nossos" rondam os 116 cm, esses sim, adultos. Há fortes indícios de que o A. carbo nasce em águas madeirenses e depois migra para Norte, por razões alimentares, voltando a Sul para a desova, completando assim o seu ciclo. Mas não há provas. Os marcadores biológicos estudados, como os parasitas, por exemplo, ainda não se revelaram claros.

E então os intermedius, quando é que entram na "história"? Está quase!

Acontece que a espécie capturada pelos arrastões e também pelos palangreiros de Portugal Continental é o A. carbo. Não há registo do A. intermedius por essas paragens.

Então, de onde vem, e para onde vai, o A. intermedius? Penso que estamos no lugar certo para descobrir. Ninguém tem a quantidade, e qualidade, de informação que nós temos sobre estas espécies.

Um dos avanços conquistados, no contexto da comparação da biologia destas duas espécies, foi o de se comprovar que os seus otólitos têm forma diferente. Esta informação, aliada ao facto de possuirmos otólitos de décadas de capturas de espada na Região, poderá trazer-nos muitas respostas. Por exemplo, poderá mostrar-nos a composição específica do recrutamento(1) deste recurso à pesca. Ou seja, em resultado da comparação dos otólitos arquivados na DSIP de há três décadas até hoje, será possível visualizarmos, para cada ano, a quantidade de recrutas de A. carbo e de A. intermedius que foram sucessivamente dando entrada em águas madeirenses.

Este trabalho produzirá um panorama seguramente esclarecedor quanto à evolução das proporções entre as duas espécies, onde se poderá encontrar, alterações ao atual padrão proporcional, que venham demonstrar a direta influência da pesca de arrasto no Atlântico Nordeste sobre a quantidade de recrutas (A. carbo) que dão entrada, por ano, nas nossas águas.

Esta janela de conhecimento permitirá descobrir se estamos completamente dependentes do que está a acontecer com o A. carbo a Norte do Atlântico e se, apesar disso, estamos a ser "compensados" pelo recrutamento de exemplares (de A. intermedius), não sujeitos a exploração pesqueira noutros locais. Aqui, como em qualquer contexto, informação é poder!

A Madeira explora o peixe-espada preto de forma sustentada e exemplar, comparativamente à exploração realizada pelas grandes frotas europeias. Esta pescaria possui um peso cultural enorme, que carece de valorização. O conhecimento sobre a sua biologia avança e precisa de ser divulgado. Em termos de Pescas, a Madeira, e Portugal como um todo, pode a qualquer momento "puxar dos galões" - que os tem (a maior ZEE da Europa, a história, o know-how, etc.) e marcar a presença, que lhe é natural, no contexto europeu.

(1) Recrutamento à pesca é o tamanho (ou idade) com que determinado recurso está "disponível" para ser pescado.

 

Sara Reis Gomes
Direção Regional de Pescas

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