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Dieta Mediterrânica em dez (10) princípios

sombra2O que é que poderá ter a ver um babuíno com a Dieta Mediterrânica? O símio com ar de poucos amigos e calosidade traseira impressionante, de pacata residência pelas estepes africanas, com a comida colorida e deliciosa que há séculos faz parte da cultura dos povos da bacia mediterrânica? Um e outra nunca terão tido qualquer convívio, o que não quer dizer que se ao quadrúmano fosse dada a oportunidade resistisse a lançar os caninos proeminentes sobre o repasto.

Trata-se somente de uma estratégia de abordagem, que a descontração estival permitirá, à enumeração das principais características do modelo alimentar que a Unesco, recentemente, reconheceu como Património Cultural Imaterial da Humanidade (em 2013, a candidatura apresentada por Portugal, Croácia e Chipre, em conjunto com a Espanha, Marrocos, Itália e Grécia – estes últimos quatro países tinham já os seus nomes e a dieta mediterrânica respetiva inscritos nos bens patrimoniais da Unesco desde 2010, mas associaram-se àquela renovada iniciativa mais abrangente).

O conceito de número já existiria nas primeiras sociedades humanas, ainda de caçadores-coletores, estando desde logo associado ao processo da contagem, datando de há 35.000 anos a evidência mais antiga destes sistemas. Focando o momento pelos idos 1970, e a geografia, uma caverna da escarpa ocidental dos Montes Libombos, no Kwazazulu-Natal, é aqui que vem à boca de cena, obviamente no papel de um velhíssimo antepassado, o nosso convocado primata.

Naquele ano e lugar, os arqueólogos descobriram um especial artefacto: um perónio de babuíno com 7,7 cm de comprimento, apresentando 29 entalhes bem definidos, e contendo um fragmento de quartzo numa das pontas, ao que se julga para realizar gravações. Dos cientistas que estudaram mais exaustivamente o objeto, o qual passou a ser conhecido pelo «Osso de Libombos», uns consideraram-no ser utilizado para realizar contagens, dado os sulcos talhados e divididos em três colunas, enquanto outros, atentas as precisas agrupações dos entalhes, sugeriram indicarem uma compreensão matemática muito para além da simples medida. Peter Beaumont, um daqueles investigadores, encontrou-lhe muitas semelhanças com as varas do calendário atualmente ainda empregue por tribos de bosquímanos da Namíbia.

Digamos adeus ao milenar babuíno que viverá para a eternidade no mais antigo objeto matemático conhecido do mundo e, ultrapassadas as posteriores sociedades mais complexas em que os números passaram a ser representados por símbolos escritos, avancemos rapidamente no turbo do tempo para a Antiguidade.

Atribui-se a Pitágoras (580-497 a.C.) a afirmação de que «o número é a causa e o princípio de tudo». Filolau de Crotona (470-385 a.C.), que terá sido um dos primeiros seguidores do filósofo a revelar alguns dos segredos da sua doutrina, apurou aquele pensamento explicitando que «todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem o número». Na interpretação do matemático português Bento Jesus Caraça (1901-1948), na obra "Conceitos Fundamentais da Matemática", tal representou o surgimento «da ideia luminosa duma ordenação matemática do Cosmos», ideia que permanecerá como um dos fundamentos essenciais da ciência moderna.

Isabel Serra (1), do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, considera que aquele raciocínio de Bento Caraça simboliza «também as contradições e ambiguidades do pensamento pitagórico: misticismo, magia e mistério mas, por outro lado, exatidão e rigor. Pode ainda servir para caracterizar a cultura Ocidental na sua relação com o número, ou melhor dizendo, na sua obsessiva quantificação das qualidades. De facto, na ciência moderna, desde o Renascimento até a atualidade, é possível encontrar manifestações do espírito Pitagórico, das mais conscientes às mais ingénuas». De acordo com a mesma autora, ainda no Renascimento as conceções de Johannes Kepler (1571-1630), relativamente ao Universo, eram essencialmente pitagóricas e platónicas. Para o astrónomo, astrólogo e também matemático alemão «a finalidade da ciência era descobrir as regras matemáticas usadas por Deus na criação do Universo e, como escreve em "Mysterium Cosmographicum", «a quantidade foi criada no princípio, em conjunto com a matéria»». Também Galileu Galilei (1564-1642) em "Il Saggiatore" afirma que «o Universo está escrito em linguagem matemática»».

Entre muitas outras pertinentes observações, Isabel Serra acaba por concluir a sua interessantíssima comunicação afirmando que «o número, objeto essencial da ciência da exatidão e do rigor, fundamental para traduzir a realidade, encerra no entanto grandes indefinições e ambiguidades. As mesmas propriedades podem servir, simultaneamente, objetivos místicos e científicos.(...). A natureza do número, que durante séculos parecia escapar à descrição matemática, tanto é fonte de mistério permanente, como motivo de investigação científica. O número será sempre um símbolo desse paradoxo cultural que reúne misticismo e ciência».

É sem dúvida apaixonante a História do número, mas fechemo-la por agora, e corramos para a mesa onde há muito pousa (e desesperará) uma genuína refeição mediterrânica. Mas porque é que o "número" foi para aqui chamado? Estará em causa a quantidade de diferentes tipos de produtos que a podem compor? Quantas combinações diferentes se poderão fazer com os ingredientes utilizados? Quantos minutos estarão envolvidos na sua preparação? Quanto tempo é que dura, em média, o seu consumo? Qual o máximo e o mínimo de calorias que pode proporcionar? E tantas e tantas outras perguntas se poderiam colocar, provavelmente todas elas com um maior ou menor (i)número de respostas.

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sombra3A caracterização que se escolheu aqui fazer da Dieta Mediterrânica, que pouco tem de original e é, salvo aspetos negligenciáveis, recorrente em muitos textos sobre esta particular gastronomia, ambicionaria ser o mais pragmática e objectiva possível, agregando os seus atributos diferenciadores em 10 categorias, tópicos, pilares...

Sem dúvida, lá está o número, o 10, na sua plena assertividade e rigor. Mas porquê este número? Porque não o 15, o 20, o 100, o 1000 ou outro maior? Não que não existam muitas outras e diferentes possibilidades de arrumação daqueles e mais fatores distintivos deste género de alimentação. Provavelmente a empreitada descambaria no vão ofício de um lapidador maníaco, aquele que com a sua perseverança doentia acaba por fazer desaparecer liminar e totalmente a pedra preciosa que trabalha.

Mas, como seria de prever, a escolha do número 10 talvez não seja tão inocente como se poderia crer. Uma força irresistível rapidamente sobrevém, apelando ao "outro lado" de cada e todos os números, como se estes fossem constituídos por duas faces de uma só moeda tentadora. A "coroa" nítida e reluzente; a "cara" perpassada por imagens desfocadas e intermitentes, por sua vez percorridas por uma estranha eletricidade: a vertente "mística" do número, tal como bem observado por Isabel Serra no escrito antes citado.

Muito se poderia então discorrer sobre este outro "rosto" do número 10, desde elaboradas interpretações realizadas por diferentes culturas e religiões até às ditas e profusas "magias" e "ciências ocultas". A este propósito diga-se que a numerologia pitagórica só incluía nove símbolos e não dez, uma vez que à época ainda não havia uma notação para uma posição vazia, a do zero. Como mero exemplo ilustrativo, sem qualquer juízo de valor, respigamos uma das várias interpretações sobre o 10 em que: o 1 é o número que simboliza liderança, vitória, força, virilidade e masculinidade, mais representando o princípio da unidade, o indivisível, o ilimitado em si mesmo e em sua potência; o 0, não é propriamente um número, mas um conceito matemático que designa a não existência de algo. Devido à sua forma circular que lembra uma serpente mordendo a própria cauda, representa ao mesmo tempo vazio e eternidade.

Confessamos que preferimos reter que o 10 é a base do sistema decimal e que, quando crianças, aprendemos a amá-lo, pois foram os dez dedos das mãos os nossos primeiros professores de matemática. Quanto aos aspetos mais transcendentes, cedamos à paixão pelo futebol e ao número 10 plasmado no dorso dos mais geniais jogadores da bola de todos os tempos: Pelé, Maradona, Platini e, claro, o nosso Eusébio da Silva Ferreira.

Finalmente, passemos então à enunciação dos 10 princípios fundamentais que caracterizam a Dieta Mediterrânica:

- Frugalidade e cozinha simples que tem por base preparados que preservam as características essenciais dos nutrientes: sopas, cozidos, ensopados e caldeiradas;

- Consumo elevado de vegetais, em especial hortícolas, por oposição aos produtos de origem animal, de frutas, de pão, de cereais pouco refinados, de leguminosas, de frutos secos e de oleaginosas;

- Consumo de vegetais produzidos localmente, em grande proximidade do local de consumo, de elevada frescura e da época;

- O azeite como a principal fonte de gordura;

- Consumo moderado de laticínios;

- Utilização de ervas aromáticas para os temperos, preferentemente ao sal;

- Consumo assíduo de pescado e baixo de carnes vermelhas, sendo que nesta último produto predominam as brancas;

- Consumo baixo ou moderado de vinho e apenas nas refeições principais;

- A água como a principal bebida ao longo do dia;

- Grande convivialidade e socialização em torno das refeições.

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Esperamos ter conseguido responder à pergunta/desafio do primeiro parágrafo. O beduíno porque corporiza a inteligência humana na sistematização da contagem e da "construção" do conceito do número. A Dieta Mediterrânica porque os seus alicerces definidores são um número. O 10.

(1) «Entre a Mística dos Números e o Rigor do Cálculo», trabalho apresentado no III colóquio internacional sobre «Discursos e Práticas Alquímicas», 2001, Lisboa

 

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural