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Cartaz Campanha Natal 2013Uma quadra que é vivida com genuína alegria pelos madeirenses, desde a primeira novena ou Missa do Parto, a 15 ou 16 de dezembro, até, pelo menos, o Dia de Reis, conquanto os mais entusiastas, a muito custo certamente, só a dêem por terminada, ou melhor, suspensa, pelo dia de Santo Amaro, ainda o ano novo apenas escreveu quinze das suas trezentas e sessenta e cinco páginas. É quase um mês de «muitos folguedos, descantes e outras manifestações de regozijo, que poetizam esta bela quadra do ano» como muito bem resumem Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo Meneses no "Elucidário Madeirense", quando é trazida ao bisturi do seu saber a palavra "Natal". De facto, o Natal da Madeira não é somente uma data especial do calendário litúrgico, mas o número de dias aceite suficiente para festejar, na relação que ao longo dos tempos o profano estabeleceu com o religioso, um (re)nascimento que extravasa para o coletivo, e se período de remissão e repurificação, também de oferta e comunhão. No que em particular à mesa respeita, época de partilha e desfrute do melhor da cozinha madeirense. Será devido a este mais ou menos prolongado festejar, ou somatório de momentos de uma festa maior, que a designação "Natal da Madeira" seja quase sempre eclipsada e substituída pela expressiva "Festa".

A nossa Festa guarda muitas e diferentes festas de sabores, e dos seus indesligáveis aromas. Mas, pespegando nas memórias de Artur Sarmento em "O Natal na Madeira quando era estudante" (1) não façamos agora menção aos «outros pratos, entradas e travessas, geleias e pudins, que davam, a farta, para empachar um batalhão, durante uma semana, pela metralha de recheios e doces, regados a bebidas finas», somente ao Bolo de Mel. E para relevar o que este representa no contexto da Festa, repesquemos um delicioso texto, tal como o doce, de João Cabral Nascimento. Em "O Natal de há 30 anos" (2), este autor refere que o Bolo de Mel «constitui uma das mais fortes tradições insulanas, e dir-se-ia inventada por um espírito faceto que porfiasse em misturar os ingredientes mais antagónicos, desde as especiarias – canela, pimenta, noz moscada, cravinho – ao açúcar, a farinha, a manteiga, a banha de porco. Há, na sua confecção como que um ritual: depois de amassado, o bolo de mel, com uma cruz desenhada a toda a altura e largura, fica a levedar durante três dias dentro de um alguidar, antes de ser cozido. E, por mais estranho que isto se afigure, ninguém ao comê-lo, terá dúvidas em confessar que lhe parece muito bom». Nesta descrição, ainda que muito impressiva, faltarão três elementos que a memória de muitos reterá: a mescla indescritível de cheiros, os das especiarias evocando paragens distantes e misteriosas, enrodilhados aos desprendidos pelo Mel de Cana ao inundar a massa, reverberando tons âmbar; os sons que aconteciam, a voz de comando, geralmente maternal, ora repetindo a ordem de entrada dos vários ingredientes, qual encenação de uma ópera de sabores, ora solicitando a reconfirmação dos pesos, e mais tarde o tinir das formas para levar a bola de bolo ao forno; e também, todo o afã e rodopio que o fazer do Bolo de Mel de Cana originava. O tenente-coronel Sarmento, no mesmo texto antes citado, descreveu este bulício que se verificava todos os dezembros nas cozinhas de muitos madeirenses, que incluiria certamente não só a feitura do Bolo de Mel, mas de toda a culinária da Festa como um «andava tudo no pó-do-gato, numa confusão e tarefa complicada, em preparos culinários e recheios esturgidos e frituras, pondo em prática o "Velho Guia Familiar", com manchas de gordura nas páginas predilectas das receitas, já anotadas».

Claro que os tempos de agora são outros, e, como dirão aos filhos muitas mães que ainda levam a preceito a sua receita familiar do Bolo de Mel de Cana, "quando fechar os olhos, ou muito me engano, mas vocês já não vão querer fazer isto". Muitos daqueles "filhos" manterão a tradição, outros, por razões certamente justificáveis, não o poderão fazer. Para os primeiros, a receita de família será o tal "Guia" evocado pelo já citado militar escritor, e em que a preocupação dominante será adquirir os ingredientes genuínos, entre os quais, o garantido Mel de Cana da Madeira. Para os segundos, a Festa só o continuará a ser desde que a mesa continue coroada com o indispensável Bolo de Mel de Cana, mas tendo a certeza de que ao adquiri-lo o mesmo foi produzido de acordo com todos os requisitos da tradição.

É sobretudo para esta nova geração de "fazedores" e/ou "consumidores" de Bolo de Mel de Cana, como de Broas de Mel de Cana, que a Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, através da Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, já a partir do final desta semana, vai dar início a uma campanha de comunicação especificamente focada no período que se avizinha de especial consumo da doçaria mais tradicional madeirense. Com esta, é visado principalmente orientar os consumidores para a compra das matérias-primas ou dos produtos acabados com garantia de genuinidade, a qual é conferida pela "assinatura" de um selo oficial de certificação, sublinhada pela marca "Produto da Madeira".

(1) Revista "Das Artes e da História da Madeira", n.º 9, 1951.
(2) Revista "Das Artes e da História da Madeira", n.º 4, 1950.

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural