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“Porto Santo, o nome te fica bem…”

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Estes versos imortalizados por Max nesse clássico “Porto Santo” composto pelo próprio e por Libertino Lopes com letra de Teodoro Silva, dão o mote a este escrito sobre o concelho/ilha do Porto Santo.

Há seis centúrias, depois de uns dias de tormenta, foi a primeira Ilha a ser encontrada por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, um abrigo seguro, um autêntico Porto Santo. No passado longínquo, os cereais como o trigo, a cevada e o centeio, a criação de gado e mais próximo do nosso tempo, o cultivo da vinha, eram as culturas predominantes. Na obra “Camponeses da Madeira – As Bases Materiais do Quotidiano no Arquipélago da Madeira (1750-1900)” da autoria do Antropólogo Jorge Freitas Branco, recentemente reeditada pelo Serviço de Publicações da Direcção Regional da Cultura, refere-se que na segunda metade do século XVIII, a Ilha debatia-se com uma secura extrema e prolongada, comprometendo as colheitas e agudizando a fome, a areia avançava terra adentro e apesar de haver 13 nascentes, só se aproveitavam cinco para rega, perdendo-se o restante precioso líquido para o mar. A título de curiosidade, menciona-se naquele livro que a nascente do Tanque localizada no sítio com o mesmo nome, era a mais procurada pela população e pelos animais. Por forma a suster a invasão das areias, decidiu-se então plantar vinhas nos terrenos arenosos, falando-se já nessa época, da importância de plantar árvores para esbater a aridez do Porto Santo.

Na primeira metade do século passado, não obstante alguma melhoria no que concerne ao impedimento do avanço das areias nas áreas agrícolas, a escassa precipitação verificada em anos seguidos e as consequentes más colheitas ainda provocavam carência alimentar nos residentes. Disso é bem patente o filme “A Canção da Terra” de 1938, realizado por Jorge Brum do Canto, que mostra uma Ilha seca dependente da bondade do clima.

Actualmente, a paisagem agrícola é caracterizada pela vinha com a uva “Caracol” e o “Listrão”, por hortícolas como o tomate, a cebola, a cenoura, a batata-doce, a abóbora e por frutas como a melancia, o melão, o figo, o tabaibo, a romã, entre outras. As leguminosas lentilha e chícharo tiveram alguma expressão, não só pelo valor alimentar, mas igualmente pelo enriquecimento do solo em azoto, começando a ser novamente recuperadas com vista à diversificação da culinária local. Os muros de croché ou de renda sabiamente construídos com pedras sobre pedras soltas, isto é, sem argamassa, protegem essencialmente a vinha rasteira dos ventos, possibilitando a temperatura constante e o arejamento, e emprestando uma imagem singular.

Todavia, a agricultura é fortemente condicionada pelo acesso à água, se bem que o Porto Santo dispõe de uma central dessalinizadora desde os anos 80 do século XX que, pelo processo de osmose inversa, transforma a água do mar em água potável, resolvendo a eterna falta de água. Parece-nos que essa água não chega aos terrenos na quantidade suficiente e desejável, que permitisse um retorno à actividade agrícola um tanto ou quanto mais robusto e abastecesse o mercado local (hotelaria e restauração incluídas), bem como escoar os excedentes para a Madeira ao longo do ano, dadas as facilidades de transporte marítimo entre as duas ilhas. Temos a certeza de que o madeirense adquiriria os produtos agrícolas da Ilha Dourada, tendo em conta as suas excelentes características organolépticas que se distinguem de outros lugares, e pelos teores elevados de cálcio, magnésio e estrôncio essenciais para a nossa saúde e bem-estar.

A extracção de cal do Ilhéu da Cal (ou de Baixo) e no seu auge, a existência de 17 fornos, permitiu a comercialização daquele produto para a construção civil em ambas as ilhas e como correctivo da acidez dos solos que era aplicado nos terrenos da Ilha da Madeira, proporcionando a ocupação de muitos porto-santenses e o seu ganha pão.

 

 

sabores nossos CALHETA

A nível gastronómico, consta que o bolo de caco teve ali o seu berço e depois popularizou-se por toda a Região, embora na Ilha da Madeira seja mais baixo e se utilize a batata-doce. A escarpiada, um pão fino, possivelmente introduzido pelos árabes, feito a partir da farinha de milho, é comido tradicionalmente com gaiado, chicharros, salada de serralha e lapas cruas. O coelho à caçador tem algum destaque na restauração local depois de ter sido candidato ao Concurso das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa. O peixe fresco grelhado é presença habitual nas mesas dos veraneantes que “invadem” a Ilha Dourada. Como possível sobremesa ou lanche, o pão capela é uma excelente sugestão e manda a tradição que seja saboreado pelo São João e São Pedro. Para os que apreciam o sabor salgado e algo duro, os biscoitos são de provar.

Bom, chegamos assim ao fim desta rubrica que foi publicada mensalmente no DICAs entre Novembro de 2020 e o presente mês, percorrendo os 11 concelhos do Arquipélago da Madeira, numa perspectiva agrícola com algumas notas gastronómicas.

Para uma segunda leitura ou para descobrir pela primeira vez, deixo-vos as ligações dos primeiros 11 artigos:

- Haja vontade para (re)descobrir! (DICAs n.º 404 de 12 de Novembro de 2020)

- O nosso Funchal, como ele não há igual! (DICAs n.º 408 de 10 de Dezembro de 2020)

- Câmara de Lobos muitos produtos da terra tem! (DICAs n.º 413 de 14 de Janeiro de 2021)

- Ribeira Brava, agrícola à brava! (DICAs n.º 417 de 11 de Fevereiro de 2021)

- Ponta do Sol, onde o sol brilha sempre mais! (DICAs n.º 421 de 11 de Março de 2021)

- Calheta de lés a lés, para ver e sentir! (DICAs n.º 425 de 8 de Abril de 2021)

- “Porto Moniz, onde sou feliz!” (DICAs n.º 430 de 13 de Maio de 2021)

- São Vicente, uma sábia harmonia entre a Natureza e o Homem (DICAs n.º 434 de 10 de Junho de 2021)

- Santana, o mais agrícola dos concelhos madeirenses (DICAs n.º 438 de 8 de Julho de 2021)

- Machico, onde tudo começou! (DICAs n.º 443 de 12 de Agosto de 2021)

- Santa Cruz, terra que tudo produz! (DICAs n.º 447 de 9 de Setembro de 2021)

(O autor prefere usar a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990)


Joaquim Leça
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural

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