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Carta aberta a (des)propósito de farinha de banana

Muitas vezes, as objeções nascem do simples facto de que aqueles que as fazem não são os mesmos que tiveram a ideia que estão a atacar.
Paul Valéry

Talvez porque esteja em causa um produto que, pela sua fina granulometria, quando agitado com maior ou menor ímpeto, liberta inevitavelmente partículas que ficam a pairar momentaneamente no espaço circundante, certas pessoas andam a levantar uma verdadeira “nuvem de poeira” a propósito de um trabalho experimental realizado pela Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural no âmbito da transformação da banana.

tullius detritus DICAs Estas pessoas, com fins mais do que confessáveis, que não interessam para este texto, imbuindo-se de um espírito tal qual o do mesquinho Tulius Detritus da já velhinha (1970) décima quinta aventura de Asterix, “La Zizanie” (que mereceu em português o título de “Zaragata”), sob a pena do genial Goscinny, andam desde há umas semanas a esta parte a procurar “virar” a Escola Básica e Secundária da Calheta contra a Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural ou, numa maior aproximação, os docentes da disciplina de Físico-química da primeira versus os agrónomos e biólogos da segunda.

O atiçado “pomo da discórdia” tem consistido na comparação do mérito e originalidade de um estudo promovido em 2019 por técnicos da Divisão de Inovação Agroalimentar da Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, que mereceu o título de “A produção de farinha de banana verde para panificação e pastelaria”, com um trabalho realizado por alunos da disciplina de Físico-química da Escola Básica e Secundária da Calheta, igualmente versando a produção de farinha de banana e o desenvolvimento de receituário para a sua utilização.

Tive o grato prazer de testemunhar uma apresentação do projeto dos jovens calhetenses no âmbito de uma Mostra Regional da Banana, salvo erro de 2015, e fiquei deveras agradavelmente surpreendido, não tanto com a ideia em si, pelo que abaixo refiro, mas por aquela experiência ter decorrido em ambiente escolar, ter motivado muitos alunos, despoletado a sua criatividade e os envolvido emotiva e racionalmente num produto de inquestionável importância económica para os madeirenses como eles (certamente alguns de famílias produtoras de banana), participando no desenvolvimento de iniciativas para enrobustecer a sua cadeia de valor.

Não foi nada por acaso que, em 2015, por ter considerado que o trabalho dos discentes (e docentes) da Escola Básica e Secundária da Calheta cumpriu o objetivo de contribuir para fomentar uma sólida cultura científica e de empreendedorismo inovador junto de todas as crianças e jovens do país, a Fundação Ilídio Pinho atribuiu-lhe um Prémio Ciência na Escola.

É verdade que há centenas, para não dizer milhares de anos, que o ser humano produz farinha de banana para o seu consumo, como também para o dos animais que foi domesticando, necessariamente com as tecnologias e o saber fazer de cada época. De facto, segundo Harry Loesecke na sua obra “Bananas – Chemistry, Phisiology, Technology”, de 1949, as referências escritas mais antigas a farinha de banana e/ou a banana desidratada remontarão já aos séculos XI e XII e atribuídas a autores orientais. De acordo ainda com o mesmo cientista, a descrição mais antiga de farinha de banana como hoje a conhecemos deve-se ao famoso explorador galês da África central, sir Henry Morton Stanley, no seu livro “In Darkest Africa” (1892).

São muitos os trabalhos científicos existentes sobre farinha de banana, seja madura ou verde, alguns assentes em variedades como as da Madeira, pertencentes ao género Musa (AAA) spp., subgrupo Cavendish, e incalculáveis as receitas de produtos alimentares confecionados com farinhas de bananas. Neste caso, basta muscular o indicador e reunir alguma vontade, e paciência, para googlar.

 

E quando se aborda o conceito “inovação” haverá que deter algum rigor. De facto, o Manual de Oslo, trabalho produzido sob a égide da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), veio estabelecer, entre outras matérias, um referencial metodológico que define o conceito de inovação, o qual foi adotado pela União Europeia.

Na versão mais recente deste manual, publicada em 2005, inovação é definida como a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas.

O conceito adotado de inovação inclui as inovações não tecnológicas (organizacionais e de marketing) e contempla ainda a inovação de imitação e incremental, a par da inovação radical.

Embora em contexto e lugar algum a Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural tenha afirmado que o ensaio que realizou sobre a farinha de banana verde, com casca e sem casca, fosse inovador, e sem entrar em grandes pormenores sobre o teor concreto do mesmo, cujo relatório pode ser consultado aqui, está-se, por definição, perante um caso de inovação incremental.

Os produtos obtidos, além das análises bromatológicas realizadas pela Universidade da Madeira, foram submetidos a uma análise sensorial, segundo método específico, pela AgroSenseLab, a Câmara de Provadores de Produtos Agrícolas e Agroalimentares da RAM, cujos provadores foram treinados e qualificados pelo referencial normativo NP ISO 8586-1 (2001) - "Análise Sensorial: Guia Geral para a Seleção, Treino e Controlo dos Provadores – Parte 1: Provadores Qualificados".

Será nota de curiosidade referir que o ensaio promovido pelos técnicos da Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural contou a nível das operações laboratoriais, e também da motivação da equipa, com a colaboração empenhada de duas alunas estagiárias do Curso de Educação e Formação de Técnico de Gestão do Ambiente, da Escola Secundária Jaime Moniz.

A Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural continuará a pautar a sua ação tendo como um dos stakeholders privilegiados a população infantil e juvenil dos vários níveis de ensino, considerando-a, entre tantas outras razões, a impulsionadora e futura guardiã de uma agricultura económica e socialmente relevante e ambientalmente sustentável. Não discorrerei todo o trabalho realizado pela Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural nos últimos anos junto da rede escolar da Madeira e do Porto Santo, destacando, apenas e só, os projetos “Semear Saúde, Colher Sorrisos”, “O que eu preciso de saber sobre o meu animal de companhia” e “Sensibilização em Agricultura Biológica”, a par da recetividade a visitas de estudo aos seus laboratórios e centros de experimentação agronómica e zootécnica e disponibilização de estágios profissionais nas suas diferentes áreas de intervenção.

Não tenho qualquer dúvida de que muito, e bom, trabalho científico ainda será realizado ao nível da transformação da banana da Madeira, incluindo necessariamente a produção de farinhas e outras soluções de valor acrescentado. Não se coarte e iniba, na base de uma pretensa superioridade intelectual, direi mais sobranceria, a iniciativa de ninguém, de nenhuma instituição pública ou privada.

Como nota final, ainda recentemente, em 2017, Sofia Margarida Guedes da Costa Nunes apresentou como dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Alimentar do Instituto Superior de Agronomia, a tese “Estudo das propriedades da farinha de banana da Madeira (“Dwarf Cavendish”) e a sua incorporação em trufas de chocolate”.

Vá lá que os “nossos” travestidos de Tulius Detritus andavam distraídos!


António Paulo Sousa Franco Santos
Diretor Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural

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