A ISO 17025:2017, norma de referência dos laboratórios acreditados, como é o caso do Laboratório Regional de Veterinária e Segurança Alimentar (LRVSA), da Direção de Serviços dos Laboratórios e Investigação Agroalimentar (DSLIA), da Direção Regional de Agricultura (DRA), foi publicada há mais de um ano, porém, subsistem ainda algumas dúvidas relativamente à sua implementação.
Em Portugal, as avaliações segundo a nova versão da norma iniciaram-se em janeiro de 2019 (para todos os laboratórios acreditados ou candidatos à acreditação), deixando o IPAC de realizar avaliações presenciais face à ISO/IEC 17025:2005. Até ao final de agosto de 2020, todos os laboratórios deverão fazer evidência de resolução de não-conformidades associadas aos novos requisitos da ISO/IEC 17025:2017, garantindo-se assim a transição para a nova versão da norma até 31 de novembro de 2020, tal como acordado internacionalmente.
Assim, dando continuidade a um ciclo de artigos sobre o tema em causa, que consideramos relevantes para a transição para a versão de 2017, hoje vamos incidir na imparcialidade e na confidencialidade.
Imparcialidade
Em versões anteriores da ISO/IEC 17025, a questão da imparcialidade de um laboratório não era considerada suficientemente importante. Na ISO 17025:2005, a imparcialidade é mencionada apenas em notas e o conflito de interesses é mencionado apenas uma vez. No entanto, nesta versão revista da norma ISO/IEC 17025: 2017, há uma nova seção, a 4.1, que trata da imparcialidade, incluindo os requisitos para que as atividades laboratoriais sejam realizadas de forma imparcial, geridas e estruturadas de forma a salvaguardar a imparcialidade, bem como a exigência de identificar riscos à imparcialidade, que advém dos requisitos gerais da ISO. Portanto, agora é mais importante que os laboratórios mostrem como lidam com a questão da imparcialidade.
No ponto 4.1.1, afirma-se que “as atividades do laboratório devem ser realizadas com imparcialidade e devem ser geridas e estruturadas de forma a salvaguardar a imparcialidade” e posteriormente refere que “o laboratório deve ser responsável pela imparcialidade das suas atividades laboratoriais”. É importante que o laboratório tenha certeza de que não há pressões comerciais, financeiras ou outras que possam comprometer a imparcialidade e, se as houver, que procure eliminar ou minimizar o risco. Exemplos desses são a estrutura de propriedade, contratos de pessoal, etc.
O ponto 6.2.1. da nova versão da norma aborda ainda a imparcialidade do pessoal, incluindo pessoal interno e externo, que tenha influência nas atividades de laboratório e no seu ponto 8.2.2. estabelece que as políticas e os objetivos devem abordar a competência, imparcialidade e operação consistente do laboratório.
Mas, o que significa ser imparcial?
Segundo a definição da ISO/IEC 17025:2017, trata-se da "presença de objetividade " e “a objetividade implica a ausência de conflitos de interesse ou a sua resolução de modo a não influenciar de forma adversa as atividades do laboratório". Isto quer dizer que os resultados do laboratório não podem ser influenciados por quaisquer relações que o laboratório, ou as pessoas envolvidas em atividades de laboratório, possam ter com o cliente. As atividades laboratoriais também não podem ser influenciadas por qualquer pressão indevida exercida sobre as pessoas envolvidas na condução dessas atividades laboratoriais.
Não podemos esquecer que os riscos para a imparcialidade podem vir de dentro do próprio laboratório e temos como exemplos possíveis:
- Pressões, por parte da gestão, para interromper os procedimentos das atividades laboratoriais com vista a melhorar o tempo de resposta ou ignorar os resultados adversos que possam perturbar o cliente;
- Incentivos financeiros por número de ensaios/calibrações/amostragens realizados ou pelos seus resultados;
- Conflitos de interesse internos como responsabilidades na análise e na produção; consultoria com base em análises feitas/validadas pelo próprio, etc.
Também podem ocorrer riscos externos à imparcialidade.
Ao procurar por riscos externos, existem várias possibilidades que os podem causar, como seja:
- Relações comerciais entre o laboratório e o cliente (ex.: dependência excessiva de um contrato de serviços ou receio de perder o cliente);
- Relações familiares e/ou pessoais entre pessoas no laboratório que estarão envolvidas nas atividades laboratoriais e no cliente;
- Interesses financeiros, como a participação numa empresa cliente ou num empreendimento relacionado com os resultados das atividades de laboratório;
- As relações existentes com os clientes e com o pessoal não significam forçosamente que exista um risco de imparcialidade, no entanto, o laboratório é obrigado a identificar os riscos potenciais das suas atividades, dos seus relacionamentos ou dos relacionamentos do seu pessoal, de uma forma continuada e, em seguida, demonstrar que o risco foi eliminado ou minimizado.
Perante a “panóplia” de riscos, espera-se que a gestão do laboratório esteja comprometida com a imparcialidade, para tal, o laboratório deve ter ações para prevenir qualquer risco comercial e operacional quanto à imparcialidade. Isso quer dizer não permitir pressões comerciais ou financeiras que comprometam a imparcialidade, como, por exemplo, pagamento de comissões, benefícios na indicação de venda ou promoções de marca, entre outros. O laboratório deve tomar ações para eliminar esses riscos. Para tal, há duas maneiras possíveis de demonstrar que o são: ter uma política específica de imparcialidade ou envolver na política de qualidade uma declaração sobre imparcialidade, discutir a imparcialidade na revisão pela gestão e incluir as discussões e decisões nas atas da reunião. Uma combinação destas é possível.
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A nova versão da norma inclui um requisito para que o laboratório elimine e/ou minimize um risco de imparcialidade identificado. Note-se que não há nenhum requisito para eliminar totalmente o risco, mas existem muitas possibilidades para eliminar e/ou minimizar, por exemplo:
- Codificação de amostras, para garantir o anonimato dos clientes;
- Independência técnica funcional;
- Mudar o pessoal, se o pessoal inicial estiver comprometido;
- Cláusulas sobre a imparcialidade e confidencialidade assumidas nos contratos de emprego;
- Formação e esclarecimentos ao pessoal do laboratório;
- Assinatura de declaração com o comprometimento;
- Realizar alterações nas atividades.
O laboratório deve ser capaz de demonstrar como lidou com a questão da imparcialidade, documentando as atividades realizadas.
Confidencialidade
Este requisito está direcionado para a proteção da informação. O laboratório precisa gerir as informações que são obtidas ou geradas durante a sua operação, tanto internamente como externamente.
As informações geradas durante o serviço são dos clientes e qualquer publicação dessas informações deve ser acordada com ele, ou seja, o laboratório deve manter confidenciais todas as informações obtidas e geradas na sua operação.
Embora a nova versão da ISO 17025 inclua muito mais texto sobre confidencialidade, os requisitos básicos da ISO 17025:2005 não mudaram, mas são mais detalhados. A principal exigência é que o laboratório deverá ter políticas e procedimentos para garantir a proteção da confidencialidade das informações dos clientes e os seus direitos de propriedade dos seus dados, incluindo procedimentos para proteger o armazenamento em suporte e a transmissão de resultados, conforme estava estabelecido na ISO 17025: 2005.
A ISO/IEC 17025: 2017 determina que o laboratório deve comprometer-se legalmente em manter confidenciais as informações obtidas ou resultantes da realização das atividades relacionadas com o cliente.
Quando é requerido ao laboratório que disponibilize informação confidencial, por disposição legal ou contratual, o cliente ou indivíduo em questão deve ser notificado da informação disponibilizada, a menos que seja proibido por lei.
O pessoal, incluindo quaisquer membros de comissões, fornecedores, pessoal de organismos externos ou pessoas que atuem em nome do laboratório, deve manter confidencial toda a informação obtida ou gerada no decurso das atividades laboratoriais, exceto se requerido por Lei.
As informações sobre o cliente obtidas de outras fontes, que não o cliente, bem como quem as forneceu devem ser mantidas confidenciais entre o cliente e o laboratório.
O pessoal deve manter as informações do cliente confidenciais. Este ponto pode ser tratado no contrato de trabalho. Recomenda-se que o laboratório estabeleça todas as questões relativas à confidencialidade no contrato. Como regra geral, as informações do cliente devem ser mantidas confidenciais.
A DRA, e no sentido do manter o LRVSA acreditado, possui no seu sistema de gestão uma política de qualidade, direcionada neste sentido, com procedimentos internos para gerir estes riscos, e assim mitigar e/ou eliminar os riscos inerentes às suas atividades, para garantir quer a imparcialidade quer a confidencialidade. No próximo mês de outubro, o LRVSA será assim avaliado pelo IPAC, onde, entre outros aspetos, será verificado a implementação destas ações.
BIBLIOGRAFIA
EUROLAB “Cook Book” – Doc No. 19 Lopes, Hélder – Acreditação de Laboratórios NP EN ISO/IEC 17025. Junho 2010.
ISO/IEC 17000:2004 (en) - Conformity assessment — Vocabulary and general p NP EN SO/IEC 17025:2005 - Requisitos gerais de competência para laboratórios de ensaio e calibração
NP EN ISO/IEC 17025:2018 - Requisitos gerais de competência para laboratórios de ensaio e calibração
“Se queres ser imparcial, não existas; se queres ser objetivo, existe mesmo; descobrirás talvez que a diferença é nenhuma.”
Agostinho da Silva
Zita Vasconcelos Gestora do Sistema de Gestão da Qualidade Direção de Serviços dos Laboratórios e Investigação Agroalimentar Direção Regional de Agricultura
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