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Imaculado celebra os pães tradicionais da Madeira e do Porto Santo 

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É já amanhã, dia 5 de outubro, que se realiza nos Jardins de Santa Luzia a 1.ª Mostra do bolo do caco e do pão caseiro regional, uma iniciativa da Casa do Povo do Imaculado Coração de Maria e que conta com o apoio da Secretaria Regional de Agricultura e Pescas, através da Direção Regional de Agricultura.

O Pão Tradicional da Região Autónoma da Madeira, cuja designação genérica pode aparentar redutora, mas, como abaixo melhor se perceberá, é uma mera simplificação para efeitos regulamentares, agrega todo um extenso e profundo repositório de pães mais ou menos diferentes, tendo apenas em comum alguns ingredientes e o facto de serem feitos por gente, quais guardiões de uma herança secular, de vários locais das ilhas da Madeira e do Porto Santo, e extravasa, em muito, o produto final, o pão em si mesmo que é dado ao desfrute e prazer dos consumidores. Na verdade, por “trás” de uma dada variedade de pão, há toda uma história que a esteia, um desfiar de tradições (refletidas em diversos detalhes da sua manufatura) transmitidas de geração para geração de várias famílias e que fazem com que, comparada às outras variedades identificadas, seja distinta e inconfundível. Estas tradições, diligentemente preservadas até aos tempos atuais, seja pelo folclore, seja pela etnografia, são indiscutivelmente cultura.

Como referido no primeiro parágrafo, sobre esta matéria, é de salientar que, sob proposta do Governo Regional, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 4/2016/M, de 2 de fevereiro, que estabelece o regime relativo à produção e comercialização de Pão Tradicional da Região Autónoma da Madeira.

Este diploma vem reconhecer a especificidade, a tipicidade e a qualidade distinta de certos produtos da panificação desenvolvida na Região Autónoma da Madeira, bem como define o que é o Pão Tradicional da Madeira e as Variedades do Pão Tradicional da Madeira; estabelece os mecanismos de reconhecimento dos produtos e dos respetivos produtores, incluindo as obrigações e direitos destes últimos.

O diploma mais fixa as condições gerais de produção e comercialização de um Pão Tradicional da Madeira, a passar pelas características das matérias-primas, ingredientes, aditivos e os requisitos analíticos e dos métodos de análise; as regras quanto à rotulagem, denominação de venda e outras menções, como ainda o respetivo regime contraordenacional.

De facto, na Região Autónoma da Madeira, sobretudo no meio rural, mantém-se bem preservada a tradição secular do fabrico próprio de pão, seja para consumo familiar, seja para troca mais alargada, sendo que este fenómeno vem adquirindo maior expressão, dinamizado por um número crescente de consumidores que valorizam cada vez mais as produções locais no contraponto a uma panificação, além de naturalmente mais industrializada, também ela globalizada.

À parte das suas vicissitudes, da longa história cerealífera da Madeira e do Porto Santo, e da influência norte-africana que ficou inculcada, desde o século XV, à prática alimentar das suas populações, o pão que alcançou maior notoriedade e reputação é sem dúvida o «Bolo do caco», com uma forma achatada peculiar e cozido sobre um “caco”, no passado, geralmente uma pedra de basalto.

Existem outras qualidades de pães que também fazem parte da cultura ancestral da Madeira e do Porto Santo, as quais, por assentarem num receituário base comum, podem ser agregadas sob a denominação genérica de «Pão de Casa».

Estes pães apresentam um denominador comum, o qual lhes confere atributos finais particulares e distintivos, que é o facto de incorporarem como um dos ingredientes a batata-doce (Ipomoea batatas L.). Outro fator diferenciador consiste na sua cozedura ser realizada em fornos a lenha, alguns deles ainda construídos com “cantaria de forno”, cantaria mole de cor vermelho acastanhado específica da Ilha da Madeira, a qual corresponde aos tufos ou consolidações de lamas vulcânicas. Este material foi muito utilizado no fabrico de fogareiros e de aduelas de fornos, equipamentos estes geralmente de forma semicircular de abóbada troncada.

 
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A receita base é composta da mistura de trigo, de fermento (de padeiro ou “massa lêveda”), de água e de sal, mas é a batata-doce que, inegavelmente, contribui para conferir o caráter distintivo do «Pão de Casa». Na verdade, este tubérculo imprime à massa do produto características sápidas e de aroma inconfundíveis, e o seu uso só poderia estar relacionado com a tradição, importância e disseminação desta cultura agrícola no território da Região Autónoma da Madeira, pelo menos desde o século XVII. Esta cultura veio precisamente permitir substituir parte do trigo que compunha a massa panar, cereal em paulatino declínio face à expressão que já obtivera em séculos anteriores, logo mais difícil, se não impossível, de obter e mais caro e, com várias vantagens, como proporcionar um maior usufruto, através de amassaduras mais frequentes, e mais ainda, permitir obter um produto de excelente qualidade e boa durabilidade.

Porém, o «Pão de Casa» apresenta uma maior ou menor variabilidade, de local para local, e de produtor para produtor. Estas diferenças resultam, apenas e só, do saber fazer de cada produtor, ou seja, do modo como cada um interpreta e adapta a receita transmitida das gerações anteriores, designadamente ao nível da proporção entre os ingredientes base e/ou do processo e período de tempo para amassar, tender e cozer, o qual se reflete sobretudo na forma, e/ou nas características do miolo e da côdea do produto final.

Também, além do «Pão de Casa», é necessário preservar outros pães tradicionais de âmbito geográfico mais restrito, e associados diretamente a culturas agrícolas que só ali adquirem expressividade relevante, como é o caso do castanheiro, sendo que estes produtos agrícolas regionais podem substituir ou complementar a batata-doce na lista dos ingredientes base.

O Decreto Legislativo Regional em causa, em suma, visa:

- incentivar a preservação do vasto repertório de variedades de Pão Tradicional da Madeira da Região Autónoma da Madeira, desde os vários tipos de «Pão de Casa» ao «Bolo do Caco», as quais, fazem parte do seu património cultural e gastronómico e, como tal, indiscutíveis elementos identitários de um povo;

- estabelecer um sistema que permita definir as características e condições de produção e comercialização das diferentes variedades de Pão Tradicional da Madeira, como estabelecer as regras pelas quais os produtores, de forma voluntária, podem registar os pães que fabriquem dentro das qualificações consideradas e utilizar as denominações de venda preconizadas;

- alicerçar, em conjugação com a adoção dos sistemas de qualificação das produções agrícolas da União Europeia, designadamente do mecanismo da Indicação Geográfica Protegida, a defesa da genuinidade das diferentes variedades de Pão Tradicional da Madeira, sobretudo o «Bolo do Caco», da crescente usurpação do nome, e deturpação das suas essenciais características diferenciadoras, nesta ótica defendendo os legítimos interesses dos produtores reconhecidos, como assegurando a devida informação e garantia de qualidade aos consumidores;

- e estimular um maior interesse pela produção cerealífera na Região Autónoma da Madeira, sobretudo na base de variedades endógenas registadas em Bancos de Germoplasma situados no seu território.

 

Paulo Santos
Diretor Regional de Agricultura

(adaptado do texto publicado previamente na Revista Bailar n.º 2/Festival Regional de Folclore 2017)