...em Sol(o) Maior... |
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Se nos segura e deixa que por aqui fiquemos mais ou menos tempo, no que o engenho do Homem, por baixo ou por cima dele, lhe foi acrescentando para que a espécie pudesse proliferar ou prosseguir uma escorregadia ideia de felicidade, é também o solo, que muito contribui para nos sustentar e permitir viver, um inestimável manancial produtor de alimentos. Dirão com razão os especialistas que quando se artificializa o solo passamos a ter “chão”, “soalho”, “pavimento”, etc. Já na área do agroalimentar, os estudiosos da matéria afirmarão a propósito que há muito é possível fazer agricultura e pecuária sem solo. Sim, é verdade. Mas numa escala que jamais deixará de ser hiperlocalizada e infinitesimal, quando agora, diariamente, é necessário suprir alimentos a 7,2 milhões de pessoas e, em 2050, a 9,6 milhões de almas. Quando se considera a agricultura da Ilha da Madeira, ter-se-á de falar, em primeiro lugar, da disponibilidade de solos cultiváveis. Cerca de 25% do território da Ilha situa-se acima dos 1 000 metros de altitude e 47% está além da cota dos 700 metros. Por outro lado, 65,4% da sua área apresenta declives superiores a 25% e apenas uma área diminuta (8 500 hectares) apresenta declives inferiores a 16%, espaço no qual se desenvolveram os centros urbanos e que inclui igualmente as áreas planálticas de grande altitude, onde a prática agrícola é impossível. Tais características geomorfológicas muito particulares remeteram então a agricultura para faixas do território com declives médios entre os 16 e os 25%. |
Não é por isso de estranhar que desde o povoamento da Ilha da Madeira o trabalho do agricultor madeirense na procura de terrenos aráveis tenha constituído uma verdadeira epopeia, como bem expressa o Padre Eduardo C. N. Pereira nas emblemáticas “Ilhas de Zargo” (1939): «Foram conquistados palmo a palmo, num labor insano durante mais de 5 séculos: primeiro desbravando a selva à força de fogo, depois de braço reduzindo o declive precipitado das encostas. O homem subiu de picareta na mão, quase de joelhos, todas as vertentes, a lutar a ferro e fogo com as rochas, desbastando acidentes e arrumando pedras soltas em socalcos para deles fazer searas e jardins (...)». Durante séculos construíram-se muros de pedra aparelhada montanhas acima, muitas vezes desafiando o impossível ou, no mínimo, o inverosímil. Não bastou esculpir os rochedos e cerzir canteiros murados. Para os encher de fertilidade, houve que levar às alturas, imagine-se a que esforço, as terras depositadas no fundo dos vales. Fizeram-se, assim, a músculo e suor, os poios, um reticulado de degraus agricultados que continua a caracterizar a matriz distintiva da agricultura madeirense. Relativamente à atual ocupação do território, e passando à frente de um exercício sobre a evolução da agricultura na Região Autónoma da Madeira ao longo dos tempos e, no caso, quanto à utilização de solos para fins agrícolas, atendendo-se às grandes classes de uso do solo (80 110 hectares), apenas 7% são de uso agrícola, 74% de uso florestal, 6% de uso urbano e 13% de incultos e outros. Ainda assim, de acordo com o último Recenseamento Geral da Agricultura (2009), a região dispõe de 13 611 explorações agrícolas, com uma superfície agrícola utilizada (SAU) de 5 428 hectares, originando uma SAU média de 3 999 m2 por exploração. Acresce a estes factos ser elevado o número médio de blocos por exploração (3,7 blocos/exploração), com uma área média por bloco de 1 061 m2. O agricultor madeirense foi, primeiro, um “construtor” de solos para a produção de alimentos. Hoje continua como um perseverante “cuidador”/”conservador” desta riqueza, mantendo-os fecundos e dando-nos, todo o ano, o grande prazer de deliciarmo-nos com produtos vegetais de frescura, sabor e aroma inigualáveis.
(Texto lido na sessão de abertura do Colóquio “O Solo, Um Valor a Preservar», realizado no Funchal, dias 2 e 3 de outubro) |
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