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Vamos lá a comer mais frutinha e legumes!

dona quit1Faça sol, faça chuva, invariavelmente, é o que faço em primeiro lugar todas as manhãs.

O correto será, só depois de fazer o que primeiro faço logo que desperto, saberei se o astro-rei decidiu exibir todo o seu luminoso ego, se optou por se dedicar ao seu hobby preferido de jardinagem planetária e no momento rega, ou apenas estendeu sobre a varanda do céu aquele manto de tons acinzentados mutantes sinal de quando não quer ser incomodado.

Depois de acordar com o galo desafinado da Hermengarda (...e um dia destes, ou não me chame Quitéria Maria, vai cá sair uma catita de uma canja e a vizinha só vai saber depois de dizer que estava uma delícia!), o que realizo desde que me lembro, pelo menos nesta casa, é dirigir-me descalça à janela do quarto e, com ambas as mãos, afastar os reposteiros juntamente com as cortinas, em uníssono, um conjunto para a esquerda, o outro para a direita.

É certo que nem sempre consigo alcançar a simultaneidade pretendida, quando o reumático está mais assanhado, impedindo os braços de acertarem o ritmo. Quase sempre resulta aquele som de papel grosso a ser rasgado de uma vez só, um ruído que o Alcobias III, tal como acontecia com o I, mas ao contrário do II, continua decididamente a não apreciar. O bicho tem sempre um sobressalto, e rouqueja um miar de desagrado, embora permaneça mais uns minutos espojado sobre o tapete dormitório.

Espero que o meu defunto Alcobias não se zangue por eu dar sempre aos gatos que tive e ao que tenho o seu saudoso nome, mas é uma forma minha de o manter na lembrança....e perdoem-me, lá estou eu a divagar!!!

Afasto as barreiras da janela do quarto, e o meu primeiro ato de todas as manhãs é deixar a vista sobrevoar o querido quintal que se arruma lá em baixo. Passo-a por todas as plantas sem exceção, pelos canteiros que ladeiam a saída da cozinha, em seguida sobre os talhões centrais das hortaliças e das árvores de fruto, até ao renque de estrelícias à sombra do muro que faz a separação da fazenda da Hermengarda.

Depois daquele ziguezaguear ordenado, e confortada por saber estar tudo como deve estar, subo então o olhar para tomar o meu "banho" de mar que se espraia lá ao fundo, talvez a uns quinhentos metros, hoje um pano esticado de um azul forte belíssimo.

Como ainda é muito cedo, nem o calhau zune qualquer moinha. É este o meu verdadeiro "banho" matinal, que me lava a alma, o do corpo seguir-se-á só lá para mais próximo da hora do almoço.

Calço as pantufas, visto o robe que a Mariazinha me prendou no último Natal, e com o Alcobias III sempre atrás, desço as escadas até à cozinha. Ponho a cafeteira ao lume (não é que não tenha uma daquelas máquinas modernaças de cápsulas, que o meu bisneto Luís me ofereceu de surpresa, nem aniversário, nem Festa, apenas porque lhe apeteceu e fazia falta à "bi", mas esta coisa é só para quando há visitas em casa), e reponho a água e a ração do Alcobias III.

Espero que o café passe, encho a caneca com uns bonecos que acho meio feiosos, personagens de um dos últimos filmes da Walt Disney que me disseram o nome mas não consegui fixar, e desço ao meu quintal. Claro que na outra mão levo o tablet. Sim, que aqui a Quitéria Maria, como ainda tem o juizinho todo (bem... às vezes dizem que faço umas tontices, embora eu ache que não!), nunca foi avessa às novas tecnologias. Além do portátil, a Ritinha ofereceu-me esta maquineta não há muito tempo. É o que dá ter 8 netos e 15 bisnetos, e a Ritinha, que pertence àquela quinzena, ser uma high-teck perfeita, e ter comprado uns meses depois da primeira maquineta outra mais evoluída e que faz muito mais "tricoisas" que a anterior... a "bi" que fique com este que pode levar para qualquer lado, é leve e não precisa de tomada para ligar a ficha.

 

dona quit3Sento-me debaixo da cerejeira agora em flor, a caneca com o café fumegante ao lado, o Alcobias III enrodilhado aos pés, e é naquela género de televisor pequenino que leio as notícias do dia em mais de uma dúzia de jornais e revistas. Deslizando pelas "gordas" de um diário, chamou-me a atenção esta notícia:

«Consumo de frutas e vegetais na EU 28 caiu 8,2%

Os últimos dados do Observatório de Consumo da Freshfel mostram que em 2012 o consumo de frutas e legumes na EU28 caiu 8,2% em relação a 2011 e 8,7% relativamente à média dos últimos 5 anos. A análise dos últimos dados disponíveis (até 2012) mostra que o consumo de frutas e legumes frescos na EU28 foi de 386,96 g/ capita/dia. Isso significa que o consumo na EU28 permanece abaixo do nível recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que é de 400 g de produtos frescos por dia. O consumo per capita de frutas no EU28 em 2012 é de 167,62 g / capita / dia. Este é 11,8% menor do que em 2011 e 14,2% menor que a média dos anos 2007-2011, já o consumo de vegetais foi de 219,33 g /capita/dia, o que significa um decréscimo de 5,3 % em comparação com 2011 e de 4,0 % em comparação com a média dos cinco anos anteriores. Enquanto a produção e a importação de frutas e legumes da EU diminuíram em relação a 2011, as exportações continuaram a crescer em 17% para as frutas e em 8% para os vegetais.

Quando comparado com o período de 2007-2011, as exportações de frutas cresceram 39% e dos vegetais 20%. Países não membros da UE tendem cada vez mais a compensar a queda no consumo da UE. (fonte: fresplaza)»

Olha-me para isto, disse ao Alcobias III, depois de lhe ter soletrado a notícia em voz alta. Aqui a Quitéria Maria, com os outros não pena, porque longe da vista, longe do coração, mas no caso de Portugal e da Madeira, acha que isto é sobretudo um problema de educação. Aliás mais velho do que eu. Não venham com a desculpa da "dona crise" e com a "carestia", que até as frutas e os legumes não são muito caros e, no máximo, com o pouco dinheirinho que se possa ter, gaste-se menos noutras coisas que não são tão saudáveis.

Estes meus 95 anos, com meia dúzia de idas à cama, devem-se, e o Dr. Flausino concorda, a que nunca prescindi de comer todos os dias, mais do que uma peça de fruta, sempre uma sopa de legumes e uma farta salada.

Quando não tenho aqui na minha hortinha e pomar, vou ao Mercado dos Lavradores, que o Sr. Bonifácio tem sempre do bom e do melhor, fresquíssimo, e da nossa terra.

E os meus filhos cá foram bem ensinados nisso, e o Alcobias, que Deus tenha, que nunca levantou a mão a nenhum deles, ou subia a voz além do tom normal, bastava fazer um olhar que só ele tinha e os pequenos não deixavam nada no prato.

Também sabiam que em compensação tinham sempre o prémio de uma guloseima que ele trazia da mercearia. Os meus netos e bisnetos também parecem estar bem treinados na matéria, e quando vêm cá a casa já sabem da ementa. E quando estão maduras, levam para comer mais tarde sempre bananas daqui do quintal.

Os papás de agora até parece que são mandados pelos rebentos, estes comem o que querem, e quando querem e, geralmente, porcarias. Ainda há dias, ali ao pé do Mercado, vi um grupo de miúdos de escola, para aí uns dez, e reparei que só havia dois "normais", o resto eram todos bem anafaditos.

O Alcobias III soltou um miado, como se concordasse, e roçou o focinho pelas minhas pantufas felpudas.

 

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural