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Drones – assalariados eletrónicos na agricultura (parte II)

drones2Tanto os indivíduos, como as organizações, ou estas não fossem um conjunto mais ou menos extenso daqueles, para que se focalizem no que julgam mais importante, ou seja, assegurem uma conveniente separação do essencial do acessório, têm a propensão para criarem listas, não diríamos para tudo e mais alguma coisa, mas para muita coisa. São listas, entre tantas outras possíveis, para objetivos, para princípios, para processos e para tendências. Nestes elencos, o trigo já foi separado do joio e constam os grãos considerados suficientes para que se moa a farinha necessária ao pão que se pretenda ou, simplesmente, deseja.

Ainda há poucos dias, quase que inconscientemente, muitos de nós repetimos um exercício que ocorre sempre que acaba ou está prestes a finar-se um ano e outro começa ou anuncia-se. Naquela mudança ou transição "ano morto, ano posto", estabelecemos a "nossa lista", normalmente pessoal e intransmissível (e daí, raramente escrita) para 2015. Mais guia de intenções, chamamos pelo nome os pecados que (mais uma vez) juramos abandonar e as virtudes a que (mais uma vez) pretendemos alcandorar. Tudo não passará de uma tentativa de hierarquização e "lembrete" de propósitos. Nas empresas, nas instituições e outras formas organizativas a definição de listagens será mais uma questão de ordem, a qual é, como observou o poeta francês Paul Claudel, «o prazer da razão», por oposição à "desordem" que constitui «a delícia da imaginação».

MITO respeitabilíssimo e influente Massachusetts Institute of Technology (MIT) também tece as suas listas para a perspetiva das diferentes áreas do saber de que se ocupa. Este centro universitário estadunidense, na liderança mundial da ciência, engenharia e tecnologia e da sua aplicação empresarial, ainda no decurso de 2014, através da sua revista (Mit Technological Review) publicou o seu índex do que considera constituírem as 10 tecnologias que marcarão o futuro próximo: energia renovável inteligente; óculos para realidade virtual; telemóveis ultraprivados; colaboração entre equipamentos móveis; impressão 3D microscópica; chips que funcionam como cérebros; mapeamento do cérebro; manipulação do genoma dos primatas; robôs de grande agilidade; e drones para a agricultura. Deixámos propositadamente no fim a décima "engenhoca", bem pousada mas por poucos segundos.

Dito por quem é profundo conhecedor de causa, e não adivinho de salão, na lista de aparatos tecnológicos que vão ter um especial impacto na vida das pessoas e das sociedades nos tempos vindouros, o MIT inclui, sem qualquer dúvida, os "drones". Das considerações que levaram os cientistas da renomada universidade de Cambridge a integrarem no seu «top 10» os "drones", destaca-se o seguinte: são aeronaves não tripuladas fáceis de utilizar, equipadas com câmaras de menos de € 1.000, que permitem fazer a monitorização regular das culturas agrícolas para melhorar o consumo de água e a gestão de pragas; a tecnologia é possível graças aos avanços com os sensores MEMS, os pequenos módulos de GPS e os rádios digitais; e as empresas que assumem a vanguarda nos equipamentos são a 3D Robotics, Yamaha e a Precision Hawk.

drones3De facto, principalmente na agricultura de grande escala, o recurso a "drones" vem sendo cada vez mais recorrente, atentos os ótimos resultados obtidos e confirmados, quer por agricultores quer por investigadores. Em vez do agricultor ter de percorrer os seus cultivos tantas as vezes que forem necessárias para, "a olho", verificar eventuais deficiências que aqueles possam apresentar, essa tarefa de observação é confiada ao veículo aéreo que recolhe, dum plano suficientemente mais elevado, toda a informação relevante sobre o seu estado. Qual avatar do agricultor, que assim encarna num "agricultor voador", o "drone" desempenha com muito maior precisão as missões de supervisão dos campos agricultados. Graças à captura aérea de fotografias térmicas e multiespectrais, detetores de parâmetros químicos e sistemas de GIS, é possível avaliar, em tempo real, a "saúde" das plantas, sobretudo ao nível dos suprimentos de água e de fertilizantes, como da presença de doenças e pragas. A informação recolhida facilita adotar as medidas mais adequadas à condução das culturas, prevenindo quebras de rendimento e, ao contrário do que se poderia pensar, porque as operações são realizadas no momento preciso e com as quantidades certas, economizar recursos como a água, adubos e pesticidas. Muito mais eficazes, eficientes e baratos que os satélites, quem tem dado "emprego" aos "drones", reconhece que a gestão das explorações agrícolas é muito melhorada.

 

drones4Porém, há "drones" e "drones", uns mais sofisticados e poderosos que os outros, mas todos objetos voadores e, como tal, sujeitos às aspirações de um qualquer candidato a Ícaro. Por trás de cada aparelhómetro desta natureza há um ser humano que o (des)controla e, por isso, uma garantida incerteza quanto ao que o possa mover, sem que se esqueça possa acontecer o que Alfred Hitchcock imaginou em «Os pássaros». Depois, está em causa a competência do operador que assume aquelas asas temporárias, ou melhor, do que aprendeu do saber voar com o mesmo critério e responsabilidade das aves. Assim, os problemas de segurança de pessoas e bens vêm preocupando seriamente as autoridades competentes, o que tem sido potenciado pela crescente banalização da tecnologia, que até já se vende em hipermercados e lojas de brinquedos.

A este nível, a título de exemplo, ainda em 22 de julho passado, um "drone" ia sendo responsável por um acidente no aeroporto de Heathrow, em Londres. Segundo o piloto do Airbus A320, que transportava cerca de 180 pessoas, a 700 metros do solo uma inusitada "ave mecânica", invisível aos radares, incomodou a aterragem do avião, o que poderia ter descambado em tragédia. O incidente foi classificado como categoria "A", o que significa "grave risco de colisão".

Mais por perto, igualmente tem sido notícia a existência de "drones" na aproximação à pista 03 de Lisboa, até uma altitude aproximada de 2.000 pés, cerca de 600 metros. Como referem os especialistas, o maior perigo será um destes voadores fantasmas encafuar-se numa turbina, situação que aliás já se coloca com as aves verdadeiras. Sabe-se que o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) pretende propor um projeto de lei para regular "drones" com menos de 150 quilos. Nos Estados Unidos da América, vários anos depois de colossos como a Amazon e a Google terem apresentado projetos de entregas domiciliárias dos seus produtos com estes equipamentos, autênticos "carteiros aéreos", somente agora a Federal Aviation Administration (FAA), avançou com regras para a sua utilização com fins comerciais. Entre estas, os "drones" com menos de 22 quilos e destinados a "operações não-recreativas", não devem voar de noite nem próximo de aeroportos, e terão de estar sob a vigilância constante de quem os comandar.

O que vale é que, sobre os terrenos agricultados o céu é menos turbulento, e a segurança e privacidade muito maiores. Em países como o Japão e o Brasil a utilização de "drones" na atividade agrícola está em franco crescimento e, em Portugal, já fizeram a sua aparição, designadamente no Ribatejo para a monitorização da cultura do milho. O que não correu mesmo nada bem foi a estreia de um "drone" oficial, mais concretamente da Marinha portuguesa, destinado a missões de busca e salvamento, fiscalização das pescas, apoio à segurança marítima e ao combate à poluição. No ato oficial, com a presença do responsável pela Defesa, a aeronave planou apenas 2 segundos para logo amarar de cabeça no Tejo. Porque irremediavelmente cómica, a cena constará para sempre dos gags da "dronização", mas quem a visione não deixará de comungar, e querer partilhar um pouco, da aflição e da vergonha pelo que o desgraçado do fuzileiro-lançador passou.

Não consistirá fabulação, acreditar que os "drones" venham a tornar-se igualmente uma ferramenta de grande utilidade para a agricultura de pequena dimensão, como é a praticada no território da Região Autónoma da Madeira. Face às condicionantes do espaço e aos custos de aquisição dos aparelhos, como dos equipamentos suplementares e das aplicações informáticas necessárias, uma solução de interesse coletivo poderia permitir uma melhor gestão, quer da utilização/voo desta nova "alfaia" agrícola, quer dos dados que disponibiliza. Quanto a este último aspeto, a informação recolhida nas diferentes explorações envolvidas seria interpretada por técnicos especialistas, e as orientações corretivas dali obtidas posteriormente endereçadas aos principais interessados.

a sombra da bananeira os compadresAinda assim, ficarão tristes os agricultores que dão corpo e graça às tiras de banda-desenhada d'«Os Compadres» de Paulo Sérgio Teixeira (Sergei). Pouco dados a esforços que superem os inevitáveis pequenos gestos dos dias (acordar, levantar, comer...e dormir o máximo possível), todos os outros uma inclemência como o tempo que faz por aqueles quadradinhos, demorará muito até que um "drone" lhes pegue na enxada e faça por eles o trabalho que tem de ser feito nos campos. Mas que não perderão a esperança de que tal venha a acontecer um dia, ninguém fique com gota de dúvida.

 

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural