Não será difícil conceber que, por um destes dias, numa tertúlia de amigos com provável dominância masculina, mas certamente congregados pelo que se passe num tabuleiro verde onde vinte e duas personagens se esfalfam pelo destino de uma bola, de cada vez que haja conveniência em repor a carga de munições para dessedentar os presentes, o festeiro já não tenha de se obrigar a abandonar o seu sofá (e aqui facilitando o cumprimento de uma das regras sagradas do irascível Charlie Bunker da memorável série «Tudo em Família», quanto à intransmissibilidade do assento/trono do dono da casa), para a providenciar da arca frigorífica, por mais próxima, sempre distante. O anfitrião, sem qualquer movimento assinalável ou apelo expresso a alguém, faça chegar às mãos dos convivas, vindas pelo ar, as bebidas ansiadas. Discretamente, um olho na televisão, que até a equipa médica entrara em campo para curar um indissimulável fingimento de um atacante dos adversários, e o outro num microvisor, manipule um dispositivo muito parecido aos de comando dos jogos mais evoluídos para consolas, ordenando a missão pretendida a um serviçal omnipresente sempre solícito a um "enter". E lá chegava ele, a mercadoria num ventre compósito, direitinho da cozinha para o barulho da festa, num voo certo evitando delicadamente qualquer obstáculo em rota. Somente um ténue zumbir denunciaria a sua presença. Ou não fosse um "drone" que, em língua inglesa, significa "zangão". Não fosse também o sexo (e a vida-morte particular) deste inseto, nesta sua aplicação concreta ao futebol de ver por casa, teríamos preferido chamar ao aparelhómetro de "barmaid cibernética", quanto mais não seja para dar consistência a um hospedeiro que detenha outra das características do acima evocado Bunker: um irreprimível machismo.
À parte a recente vocação lúdica, que adiante respigaremos, qualquer que seja o fim utilitário que se imagine para estas maquinetas voadoras autónomas, poderíamos convocar o humor do poeta e jornalista brasileiro Mário Quintana (1906-1994) que um dia escreveu que «a preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda».
Por definição, um "drone", igualmente designado em inglês por UAV (Unmanned Aerial Vehicle), é toda e qualquer tipo de aeronave que não necessita de um ser humano a bordo para ser pilotada, sendo controlada à distância por meios eletrónicos e computacionais. O nome popularizado decorreu dos protótipos iniciais apresentarem uma fuselagem que fazia lembrar a silhueta dos machos das abelhas, e também por produzirem em voo um zonzonar tal e qual o daquele animal. Como referem os manuais de entomologia, os zangões têm como única função fecundarem as abelhas-rainhas, habilidade para a qual dispõem de uma visão e olfato excecionais, sendo capazes de detetar a parceira a dez quilómetros de distância. O seu persistente objetivo de vida conclui-se naquele encontro, geralmente sempre para cima dos onze metros de altitude. Aqui, uma (in)capacidade que os fabricantes e manipuladores de "drones" jamais quereriam copiar do efémero inseto pois, longe o desejo de que um dia as suas aventuras aéreas tivessem que obrigatoriamente terminar em kamikaze. Os modelos atuais poucas parecenças já terão com o autossacrificado responsável pela existência de abelhas mas o vocábulo terá vindo para ficar.
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É sabido que foi a engenharia militar que desenvolveu e aperfeiçoou os "drones", com base nas bombas voadoras Vergeltungswaffe (V-1), empregues pela força aérea nazi na fase final da Segunda Guerra Mundial, que tanto aterrorizaram os londrinos, e nos muito mais inofensivos aeromodelos rádio controlados. Porém, cremos que respingos de inspiração tenham provindo de obras de alguns dos melhores autores de ficção-científica: o "raytron" – um vigilante aéreo de Ray Cummings (1928); o "flying eye" – olho voador de Harry Harrison (1959); o "housefly monitor" – sensor voador de Philip K. Dick (1964) e os "eyes" – drones semiautónomos de vigilância de Robert Zelazny (1966).
Embora em 1959 os tenha testado em ações de espionagem, apenas em 1973 a Força Aérea dos Estados Unidos da América reconheceu dispor de um projeto para a crescente utilização bélica de "drones". Contudo, o termo só passou a ser mais conhecido, e a ocupar lugar no léxico da comunicação social mundial, com o lançamento, em 2004, ainda por George W. Bush, de um programa de aviões não tripulados para atacar suspeitos de terrorismo nas zonas tribais paquistanesas na fronteira com o Afeganistão. Os dirigentes norte americanos atribuem diversas vantagens a esta tecnologia telecomandada: difícil de detetar pelos radares inimigos, mais barata do que investir em caças pilotados e muito mais segura para os soldados. Todavia, com ataques cada vez mais frequentes, a utilização destes engenhos com fins destruidores vem sendo cada vez mais polémica pelos danos colaterais provocados, fazendo com que a "ceifeira", no seu ímpeto cego, leve inúmeros inocentes.
Foram os princípios tecnológicos dos "drones" com fins guerreiros e securitários que, quer se queira, quer não, contribuíram para o desenvolvimento de equipamentos do género adequados a atividades muito mais úteis à paz e à qualidade de vida dos homens. Sobre estas, nas quais estão incluídas a agricultura, constará a próxima e última parte deste artigo.
Paulo Santos Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural
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