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Pipocas - do campo para a "boca" do Cinema! (parte IX)

sombraSupuséssemos que, perante uma súbita impressão de medo, recorresse-se sem mais ao baú dos antídotos e, entre ansiolíticos e outra quinquilharia de resistência, pegássemos na arma de fogo mais à superfície, logo a disparando contra a julgada ameaça. A avaliação das consequências a ficar para mais tarde. Por vezes, uma inofensiva borboleta em pausa de uma viagem que só ela sabe mas, sob o véu de um cortinado vulgar, apenas ligeiramente translúcido, ali um monstro alado com óbvias más intenções. Noutras, uma criatura reptiliana devassa-vidas parada sobre a pele, afinal apenas alguém que quer e sabe compreender almas atormentadas.

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Quando, em 1927, com inelutável alarde, o cinema ganhou fala e soletrou algumas palavras, Charlie Spencer Chaplin (1889-1977) não demorou a sacar de um impensável revólver atirando que com o uso daquelas não haveria mais espaço para a imaginação. Não bastava um falso negro cantar jazz negro, o dislate maior, entre duas canções, será aquele ter dito, numa voz realmente igual à do cantor Al Jolson, que «Esperem aí! Isto não é nada. Ouçam esta!». E o que é que dali mais se poderia esperar? O fim do cinema? A arte de Chaplin, toda impressa na sua personagem mais célebre, Charlot, era a pantomina, em que o corpo o instrumento das ações e o rosto o espelho de todas as emoções. Não importando se alguma vez se tenham conhecido, poderá ir buscar-se a um seu contemporâneo, Aldous Huxley (1894-1963), um trecho de «Em Contraponto», por coincidência de 1928, o qual fará uma perfeita epítome do homem de pernas arqueadas e chapéu de coco: «O silêncio está tão repleto de sabedoria e de espírito em potência como o mármore não talhado é rico em escultura».

«O Cantor de Jazz» (The Jazz Singer), de Alan Crosland, foi o primeiro filme a conter passagens faladas e cantadas e a usar um sistema sonoro de nome «Vitaphone», melhor sincronizado com as imagens, lançado um ano antes, em 1926, pela Warner Bros. Se o invento, pelo grandioso sucesso que a fita obteve, salvou o estúdio de uma antevista falência, o seu fundador, Jack L. Warner, não deixou de afirmar que «estes filmes sonoros não levam em conta a linguagem internacional do cinema mudo, e da parte inconsciente de cada espetador na criação do filme, a ação, a trama e o diálogo imaginado por si».

 

sombra4Até àquele evento os filmes de Chaplin jamais tinham sido silenciosos, incluindo sempre efeitos de som e música com melodias baseadas em temas populares ou compostas pelo próprio. Só os seres humanos eram completamente inaudíveis, conquanto muitos deles dissessem coisas. O quê, é que ficava reservado à conjetura de cada espetador. O génio, também com "mau génio", manteve-se firme contra o cinema palrante durante vários filmes seguintes: «O Circo» (1928), «Luzes na Cidade» (1931) e «Tempos Modernos», e só deu (um pedacinho) do braço a torcer com o «Grande Ditador», de 1940.

Foi preciso que os cinemas obtivessem a ferramentaria adequada aos filmes "falados". Nos Estados Unidos a adaptação decorreu, como seria de esperar, muito rapidamente e, se no ano da estreia do primeiro "talkie", 128 salas estavam devidamente preparadas para o receber, um ano após esse número aumentou estrepitosamente para 8.741.

«O Cantor de Jazz» chegou aos portugueses, além de que com um atraso de dois anos, sem a possibilidade de testemunharem os dotes jazzísticos de Al Jolson. Quando lhe conheceram o vibrato das cordas vocais o espanto tinha esmorecido pois, o título de primeiro filme sonoro a ser exibido em Portugal, coubera ao filme «As Sombras Brancas» de Van Dyke, em 1930, na pantalha do cinema Royal. O equipamento de som era da «Western Electric», e o cinema, obra do arquiteto Norte Júnior, ficava na Rua da Graça, em Lisboa. O edifício ainda lá está contudo, por razões que contaremos no próximo e último capítulo desta saga, atualmente dá guarida a um supermercado.

Na Madeira, de acordo com o Museu Vicentes, a 4 de março de 1931, «estreia no Teatro Municipal o cinema sonoro com o filme «O Louco Cantor», tendo o mesmo causado sensação uma vez que sincronizava o som áudio com a imagem». Segundo a empresa que geria o belíssimo teatro da cidade do Funchal, as sessões seriam experimentais dado que «a compra e instalação permanente do cinema sonoro eram ainda muito onerosas para uma sala de cinema de uma cidade pequena». Em outubro do mesmo ano a Câmara Municipal do Funchal manda anunciar na imprensa do continente a abertura de concurso público para a instalação de um sistema de cinema sonoro para o Teatro Municipal, na altura com o nome de Manuel de Arriaga. Após um procedimento tumultuoso, que incluiu duas anulações do concurso, finalmente em 6 de janeiro de 1932 foi inaugurado em definitivo o cinema sonoro na Madeira. A empresa Cinema Sonoro da Madeira, de que fazia parte o Auxílio Maternal, adquiriu a maquinaria necessária, designadamente um aparelho de projeção de som da marca «Movietone».

E de pipocas ainda nada. Estas não faziam parte do gosto dos portugueses e, necessariamente, dos madeirenses. Os bares dos foyers dos cinemas eram "cafés" quase iguais aos da rua e, além da cafeína e outros líquidos, serviam uns bolitos de pastelaria corrente e uns snacks dos tempos: umas batatas-fritas ou uns amendoins para descascar.

(continua na próxima edição do DICA)

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural

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