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Pipocas - do campo para a "boca" do Cinema! (parte VII)

sombra4Por conveniência escolhamos, entre as muitas aptidões congénitas do cinema, aquela que faz o que quer do fluxo regulamentar do tempo. Reforçando o interesse, somemos-lhe à energia própria, ou não fosse o tema a que nos propusemos, a da explosão de um grão de milho para pipoca. Com esta propulsão acrescida, retrocedamos a uma época embebida em tons cinza e onde a respiração de quase tudo, vivo ou inanimado, tinha uma velocidade sem pressa. Ao contrário do futuro, voltar a um tempo que foi, exige orientação, um lugar preciso onde se chegue, pelo que como coordenadas de desembarque, marquemos as de Portugal.

No último fôlego do século XIX e dealbar do século XX, depois do ímpeto das navegações além-mar, chegamos à porta de um país pouco dado a exuberâncias e feitos assinaláveis. Porém, se o Século das Luzes ficara há muito para trás, o seu poder luminoso, ainda que menos intenso, deixara marcas impressivas nalguma sociedade portuguesa, designadamente no que respeita ao acompanhar da inovação da técnica e ao usufruto de novos bens culturais. Os portugueses já conheciam a projeção de fotografias através de cicloramas, dioramas e vistas estereoscopias e, mais tarde, pela lanterna mágica.

sombra1Mas foi em 28 de dezembro de 1894, no Hotel Avenida Palace, que o fotógrafo alemão Carlos Eisenlohr, numa iniciativa que mereceu o pomposo título de «Exposição Imperial», veio mostrar aos lisboetas a evolução mais recente na matéria, a "fotografia viva". Uma maquineta com o impronunciável nome de Elektrotachyscop ou Schnellseher, inventada por Ottomar Anschutz, conseguia pôr em movimento pacatos canídeos e, em galope, garbosos equídeos. No ano seguinte, a Tabacaria Neves, pela mão do grego George Georgiades, apresentou o Kinetoscope de Edison (mais propriamente uma cópia do invento, construída em Londres por Robert W. Paul). Ao invés do equipamento anterior, que assentava em discos de diâmetro reduzido que produziam imagens de poucos segundos, o Kinestoscope assegurava um visionamento individual e a película, com cerca de 1380 fotografias, permitia uma projeção de 20 segundos.

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sombra3A 18 de junho de 1896, no Real Colyseu, mais um estrangeiro, Edwin Rousby, espantou os olisiponenses com outra evolução das engenhocas que davam vida a registos fotográficos: o Animatógrafo. A máquina utilizada não era o Cinematógrafo dos Irmãos Lumière, divulgado um ano antes, mas já uma sua concorrente, de criação do já referido e, por isso, autêntico Professor Pardal, Robert W. Paul, o Teatrograph. Este projetava por detrás da tela filminhos de cerca de um minuto, ou "vistas animadas", como «Bailes Parisienses», «A Ponte Nova em Paris», «O Comboio», «A Dança Serpentina», e «Uma Loja de Barbeiro e Engraxador em Washington». A sessão obteve tanto sucesso que muitas outras tiveram de ser realizadas para satisfazer a curiosidade e fascínio de um maior número de alfacinhas. Dali a tournée subiu para o Teatro-Circo Príncipe Real, no Porto e, embora com menos rebuliço que em Lisboa, teve o condão de despertar o interesse e entusiasmo daquele que é considerado o fundador do cinema português: Aurélio da Paz dos Reis.

sombra5Na boleia desta "máquina do tempo" que o cinema proporciona, aproveitemos a proximidade, sem grandes alterações no relógio das centúrias, apenas corrigindo a posição dos manípulos da traquitana que comanda a rota pretendida, para que nos traga até à nossa ilha. Refeitos da incontornável turbulência com que o Atlântico aprecia brindar quem o sobrevoe, mais façamos com que a latitude e longitude marcadas, nos remetam direitinhos ao Museu Vicentes, onde está guardada parte substancial da memória do cinema na Madeira.

Folheando os seus arquivos, ficamos desde logo a saber que «João Anacleto Rodrigues (1869-1948), empresário da nossa praça, que comprara um aparelho reprodutor de imagens em movimento ao inventor Joly-Normandin, faz as primeiras exibições do seu cinematographo, a 15 de maio de 1897, no Teatro D. Maria Pia (atual Teatro Municipal Baltazar Dias). A primeira sessão de cinema no arquipélago contou com um programa de doze curtas-metragens adquiridas quando da compra do equipamento. Entre maio e julho, ocorreram cerca de vinte sessões do cinematographo, contando já com uma nova encomenda de filmes que mais tarde serviram para uma digressão às Canárias e aos Açores, entre julho e novembro de 1897.

Já a 29 de novembro de 1900, «Alfredo Guilherme Rodrigues (1862-1942), irmão de João Anacleto Rodrigues, testou o seu animatógrapho Edison, auto-estereoscópio e piano elétrico, no Pavilhão Grande situado na Praça da Rainha». No ano seguinte, a 10 de fevereiro, este mesmo empresário projeta imagens da Madeira da autoria de Joaquim Augusto de Sousa (1853-1905). Estas imagens não eram um filme, antes uma montagem de películas fotográficas realizadas por aquele fotógrafo amador nos seus passeios pela ilha.

(continua na próxima edição)

 

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural