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Saber dar a volta!

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À parte o disparate dos preconceitos, entre as características definidoras do povo japonês, adquirirão mais proeminência o estoicismo e a invejável capacidade de reagir às adversidades. E sobre estas últimas os habitantes do império do Sol Nascente têm sobejas razões de queixa, bastando atentar aos cataclismos por que foram assolados num tempo não muito distante.

Recordando: eram 14h46 horas locais (5h46 da Madeira), do dia 11 de março de 2011, quando a costa nordeste do Japão foi atingida por um sismo de magnitude 8,9 da escala de Richter, com epicentro a 179 km a leste de Sendai, ilha de Honshu, e a 382 km de Tóquio. Pouco menos de uma hora depois do primeiro sismo, sucedido por 19 réplicas, de maior ou menor intensidade, uma onda gigante com mais de 10 metros de altura cilindrou literalmente a costa da região de Tohoku, deixando à sua passagem um indescritível rasto de destruição e morte.

Se o tsunami foi o principal ceifeiro das largas dezenas de milhares de vidas desaparecidas, o abalo de terra, o sétimo mais intenso registado na história recente (contagem que já inclui o famigerado terramoto de 1755 que arrasou Lisboa e matou cerca de 70.000 dos seus cidadãos), de energia tal que afetou o campo gravitacional do planeta, além de prejuízos astronómicos, um dia depois comprometeu gravemente os sistemas de refrigeração dos reatores da central nuclear de Fukushima, o que originou vários incêndios e explosões. Para que se tenha uma noção comparativa, aquele acidente emitiu 14 mil vezes mais radiação do que a Bomba de Hiroshima, constituindo-se como o mais grave desde Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.

Assim, ao nível da agricultura, não chegasse a implacável destruição de milhares de hectares de terras férteis e canais de irrigação, adveio a problemática da radioatividade sobre as culturas.

Como não seria de espantar, também neste âmbito, o tal dom de fénix renascida dos nipónicos logo emergiu, tendo o seu Ministério da Economia, Comércio e Indústria lançado ao setor empresarial do país o repto de investir na mais rápida regeneração da produção agrícola. Para os projetos centrados no encontro das melhores respostas culturais, aquele organismo governamental criou mesmo um apoio financeiro específico, a variar dos 100 mil aos 3 milhões de dólares.

Outro traço distintivo de quem nasça pelas terras do trono do crisântemo, é a sagacidade e o engenho e, no que este conceito possa encerrar, a verdadeira habilidade da engenharia, expressa nos inúmeros e diversos aparatos tecnológicos, sem os quais muitos de nós já não saberíamos viver. Daí terem sido as grandes empresas mundiais deste setor, não por mero acaso de origem japonesa, as que logo se adiantaram no estudo e apresentação de soluções inovadoras para suprir parte das necessidades alimentares do seu país. Então atente-se nos exemplos que se seguem.

A Panasonic, desde junho de 2013, vem testando o plantio de alface numa fábrica que detém em Fukushima. Naquele local, a tecnológica criou uma espécie de estufa com iluminação LED (díodos emissores de luz), a qual promove um crescimento mais rápido das plantas e maximiza a produtividade. O sistema da estufa é capaz de monitorizar o desempenho das plantas 24 horas por dia, com o uso de câmaras vídeo, além de fornecer dados que podem ser acedidos por smartphones e computadores.

 
 
 
 
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As pesquisas ainda prosseguem e a intenção da empresa é lançar uma nova tecnologia para a agricultura. A Panasonic planeia produzir cerca de 1,5 mil pés de alface por dia, como também acrescentar outras espécies vegetais à atual oferta.

Por seu lado, na cidade de Tagajo, 94 km a nordeste de Fukushima, a Migai, em parceria com a General Electric, converteu integralmente uma fábrica abandonada de semicondutores que pertencera à Sony, na atualmente maior exploração agrícola "indoor" do mundo, ocupando cerca de 2.300 m2. A área em causa é enganadora pois, recorrendo igualmente à tecnologia LED e à hidroponia, inclui 17.500 daqueles componentes luminosos, distribuídos em 18 racks, cada um com 16 níveis. Esta autêntica "fábrica" agrícola produz diariamente 5 cabeças de alfaces por metro quadrado.

De acordo com a Migai, as condições rigorosamente controladas dos parâmetros luz diurna, temperatura e humidade fazem com que a alface cresça até à maturidade em 40% do tempo que demoraria para se desenvolver ao ar livre, ou seja, é obtida uma produtividade por metro quadrado 100 vezes superior à alcançada ao ar livre, e, na mesma base de comparação, com um dispêndio de apenas 1% de água.

Mais é de referir que os LED's em uso foram ajustados para emitir luz branca e rósea, nas frequências otimizadas para a variedade de alface cultivada.

Os testes começaram em 2012 e a fórmula de luz foi testada no ano seguinte, com a iluminação geral consumindo 40% menos energia do que se fossem utilizadas lâmpadas fluorescentes.

Segundo Shigeharu Shimamura, fisiologista vegetal que converteu a antiga fábrica da Sony na atual exploração "indoor": «o que precisamos não é de compactar mais dias e noites no ciclo de 24 horas, mas sim chegar à melhor combinação de fotossíntese durante o dia e fotorrespiração vegetal durante a noite, graças ao controle da luz e do ambiente».

Outras notícias referem que a gigante tecnológica Fujitsu também adotou a ideia e, como já se poderia antever, pelas bandas de Fukushima. Num projeto que mistura a agricultura, a indústria e a medicina, a Aizu-Wakamatsu Akisai Vegetable Plant cultiva alfaces, livres de radiação, com baixos teores de potássio e nitratos. A variedade de alfaces ali produzida será indicada para pessoas com doenças crónicas renais uma vez que os legumes possuem baixos teores de potássio. Por outro lado, o vegetal afigura-se apelativo para as crianças dado que os baixos níveis de nitrato tornam as alfaces menos amargas.

Todos estes são exemplos de como perante uma situação trágica e catastrófica, os japoneses procuraram e souberam encontrar soluções para ultrapassar o infortúnio e obstáculos à partida inexpugnáveis. Mais ainda, com uma visão alargada, pois com o desenvolvimento e comercialização das novas tecnologias de produção agrícola já têm como ambição que a otimização dos cultivos represente o início de uma era de industrialização agrícola de alta eficiência, com a meta de alimentar largos milhões de pessoas.

Fontes: "Dinheiro Real", "O Globo" e "GreenSavers"

 

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural

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