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Um novo tesouro no Funchal - um Baú de Sabores

bau1Virgílio Ferreira, o autor, entre tantas obras maiores, de "Manhã Submersa" e de "Alegria Breve", escreveu que «O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.» Se o tempo, sabemo-lo, é inexorável ou, mais prosaicamente, "tem asas", parece que foi somente há uns dias atrás que o projeto "Baú de Sabores" nasceu.

Conferindo alguma métrica a esse "tempo que passou", constata-se então que decorreram quase dois anos desde a hora em que um grupo de jovens amigos madeirenses aceitou participar na ação de promoção dos produtos agroalimentares regionais no terminal de cruzeiros do Porto do Funchal, uma iniciativa conjunta da entidade que o administra, a APRAM, e da Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, por via da Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Avançaram primeiro as raparigas, mais afoitas, se bem que por vezes sem conseguirem disfarçar súbitos rubores quando procuravam cativar turistas mais esquivos ou hesitantes. Dado o objetivo em causa, escolheram o nome "Atlantic Pearls", obviamente não para referirem-se a si próprias, o que seria uma imodéstia, mas ao local metafórico da origem dos produtos que estariam a promover e a dar a conhecer, comparando-os justamente às gemas preciosas que somente as ostras do género Pinctada sabem fazer.

Umas semanas depois, foi-lhes formulado novo convite, no caso para participarem na Feira Agropecuária do Porto Moniz, que decorreria um pouco mais tarde. Porém, com o desafio de apresentarem uma proposta que não constituísse uma mera repetição da experiência anterior, mas que fosse capaz de surpreender e "sobreviver" num grande evento que atrai, por tradição, milhares de visitantes. Passado o susto, aí as "Atlantic Pearls" (vá lá, é justo que o plural também se lhes aplique, ou não fossem nadas da jóia maior, por indesmentíveis razões há muito reconhecida como "Pérola do Atlântico") tiveram de cerrar fileiras e clamar por reforços.

Juntaram-se-lhes então os rapazes, os quais, não tanto pelo cultivo regular de barbas de "três dias", mas pela linha de projeto que começava a adquirir substância de aturadas congeminações noturnas, aceitaram o cognome de "Ocean Pirates". E a ideia base foi a de focarem-se em fazer o melhor possível poucas coisas, trabalhando exclusivamente com bebidas tipicamente regionais, como a aguardente de cana (o Rum da Madeira), o Vinho Madeira e os licores tradicionais e, com elas, outras especialidades e sumos de frutos da terra que tivessem por conveniente convocar, (re)criar diversas ponchas e cocktails. Mas mais consideraram, e bem, ser preciso conferir coerência a todas as atividades, envolvendo as poções a experimentar e os meios a utilizar para a exposição e comercialização daquelas, como igualmente os seus timoneiros.

Esse "chapéu" integrador, rapidamente se veio a perceber ter a configuração de um "tricórnio", aquele chapéu esquisito reservado às cabeças mais ou menos estouvadas dos capitães piratas. Então, foi precisamente a imagética relacionada com estas míticas personagens dos mares o leitmotiv escolhido e a desenvolver. Longe de pensar na pirataria moderna (aliás, um fenómeno terrestre, porque resultado da instabilidade dos países de origem), com muito de tropa fandanga, ainda sobrevivente pela costa leste de África e nas águas imensas do sudeste asiático, pretenderam tirar proveito das múltiplas possibilidades oferecidas pelo universo da piratagem romântica, aquele que ficou pelos séculos XVI a XVIII.

 

bau2Quando submergiram para aquela memória, dela retiveram o contexto que procuravam: umas ilhas (as do arquipélago da Madeira), um oceano de um profundo azul (o Atlântico por todo o lado), uma galeria de homens e mulheres destemidos (por cá até passou um tal de Monluc que ficou indissociavelmente ligado ao porquê do nome Curral das Freiras), uma poesia das coisas simples (a cor extraordinária de um por do sol), uma bebida de eleição (neste caso, o Rum da Madeira... ou não cantarolasse o misterioso capitão da "Ilha do Tesouro" de Stevenson: "Quinze homens na mala do morto/Aiou-ou-ou e uma garrafa de rum!"), e inevitavelmente, embora já se adivinhasse, um tesouro (o de todos os sabores e fragrâncias das bebidas a imaginar).

E como todos os tesouros que se prezem, porque são riquezas do que se trata, nem mais do que um "baú", um "Baú de Sabores" para as guardar. Só que, ao contrário de outros "baús" ou "arcas" cujos conteúdos interessa preservar da ganância ou cobiça alheias, este abrir-se-ia ao desfrute de todos os bons apreciadores do melhor e mais genuíno, no que ao estado líquido respeita, da Madeira.

Com bebidas com títulos ligados ao imaginário da mareação aventurosa como, entre muitos outros, "Sol Noturno" (poncha de tangerina), "Sangue de Almirante" (rum com mel), "Perna de Pau" (poncha de Vinho Madeira), "Olho de Pagrus" (rumel e lima) e "Vulcão Atlante" (Tim Tam Tum e lima), o "Baú de Sabores", depois da Feira do Gado, nos dois anos que, entretanto passaram num ápice, lá se foi desvendando, ou melhor, "entreabrindo a tampa", por muitos outros eventos de cartaz regional (Festa da Flor, Festas do Natal e do Fim do Ano, Festa do Vinho Madeira, Mostra Regional da Banana, Festa do Pero, Festival Regional de Folclore, Arraial de São Vicente e Festas da Nossa Senhora da Alegria).

Neste espaço de tempo em que a madeira do "Baú" foi enrijecendo nos seus périplos, a equipa destes simpáticos "piratas" também aumentou de tamanho, com mais "corsárias" e "flibusteiros", a qualidade das bebidas ficou mais lapidada e o seu cardápio ampliado.

Mas o mais importante de tudo é que, destas viagens pela ilha, os promotores do "Baú" foram fazendo um "bauzito" pessoal, já mais próximo dos cofres que todos conhecemos, e nele amealhando parte dos ganhos obtidos. Com aquele "tesouro", já no final de dezembro do ano passado, decidiram evoluir o projeto, investindo para lhe dar uma casa própria.

Aquele porto seguro, ou de amarração, pois a navegação pela Madeira é para continuar, fica então localizado na Travessa dos Açougues, n.º 6, provavelmente calcorreada em tempos idos por piratas verdadeiros, e que desbrava caminho da Rua dos Tanoeiros para a Rua 5 de Outubro. Aberto de segunda a sábado, das 7.30 à meia-noite, o "Baú de Sabores" disponibiliza a oferta a que nos habituou, com a confiança do ombro da marca "Produto da Madeira", acrescentando-lhe alguns produtos do serviço normal de pastelaria. Com uma bonita decoração, que absorve a "filosofia" da imagem desde cedo adotada, e um ambiente muito agradável, dominantemente jovem, será certamente um ponto de visita obrigatória para quem goste das noites do Funchal, de degustar excelentes bebidas regionais (com a moderação adequada) com o seu cunho de originalidade e conviver descontraidamente com amigos.

Paulo Santos
Direção Regional de Agricultura e Desenvolvimento Rural

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