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A Medicina Veterinária na Madeira – de 1862 a 1974 (última parte)

estatua veterinario Na continuação do artigo publicado na edição anterior do DICA, sobre a medicina veterinária na Madeira, refira-se que, após a publicação do Regulamento de Agricultura Distrital, já mencionado, os Decretos de 26 de dezembro de 1886 e o primeiro Regulamento Geral de Saúde Pecuária, publicado em 7 de fevereiro 1889, com as alterações introduzidas pelo Decreto de 1 de dezembro de 1892, o qual se manteve em vigor por várias décadas, a Intendência de Pecuária do Funchal, à semelhança das restantes intendências de pecuária do país, viu definidas e enquadradas as suas competências de autoridade sanitária veterinária.

Sublinhe-se que a atividade médico-veterinária na Madeira, até aos finais dos anos 60 do Séc. XX, distribuía-se por três entidades oficiais: a Intendência de Pecuária, a Junta dos Lacticínios da Madeira, organismo essencialmente vocacionado para higiene do leite e sanidade do gado leiteiro, e algumas Câmaras Municipais, cujos médicos veterinários desempenhavam as funções de “autoridade veterinária concelhia”, estando a sua ação mais focada no que se refere ao controlo higiosanitário das feiras, mercados e casas de matança, bem como no controlo dos animais errantes.

Vários foram os médicos veterinários, oriundos do Continente e dos Açores, tais como o Dr. Eduardo Soares de Albergaria e o Dr. José Jacinto Pereira da Câmara, respetivamente, que desenvolveram a sua atividade profissional na Madeira.

A partir de 1940, começaram então a surgir os primeiros médicos veterinários madeirenses, Dr. Bacili Alcino Dionísio, Dr. Alcino Drummond, Dr. João da Costa Mendes, Dr. Humberto Sousa Gomes e Dr. Carlos Manuel de França Dória, já falecidos. Todos eles foram verdadeiros pioneiros do seu mister, emprestando o seu conhecimento e permanente esforço à coisa pública, nomeadamente no combate das doenças que então afetavam os animais domésticos, algumas das quais com grande importância e impacto na saúde humana, tais como a Tuberculose, o Carbúnculo Hemático, a Peste Suína Africana, a Doença de Newcastle nas aves, a Brucelose Bovina, a Cistite Hemorrágica Bovina, a Vaginite Granulosa Bovina, a Mastite Bovina, a Pasteurelose e a Enterotoxémia Ovina e as Parasitoses.

Com a publicação do Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, através dos Decretos-Lei n.os 31 095 e 36 453, de 31 de dezembro de 1940 e de 4 de agosto de 1947, respetivamente, foram cometidos à Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal amplos poderes e uma maior autonomia para melhor desempenhar as suas numerosas atribuições, designadamente as definidas nos artigos 53.º, 54.º e 55.º daquele Estatuto, que constituem a Secção IV, denominada “Serviços Pecuários”.

Foram, pois, essas disposições legais que tornaram possível incrementar os serviços a cargo da Intendência de Pecuária. Com efeito, a partir de 1953 deu-se início a uma série de trabalhos, entre os quais se destacam a “Campanha de Saneamento dos Bovinos Leiteiros”, com a colaboração da Junta dos Lacticínios da Madeira e o apoio técnico da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e a “Campanha de Sanidade Pecuária”, que decorreu a partir de 27 de janeiro de 1958 e se estendeu às restantes espécies pecuárias. Importa realçar que muito contribuiu para tal o então criado Fundo de Previdência Pecuária, estrutura mutualista gerida pela Junta dos Lacticínios da Madeira.

 

Em 1959, surgiram duas novas atividades: a “Campanha de Melhoramento da Qualidade Higiénica do Leite” e o “Contraste Lactomanteigueiro”. A primeira teve por fim a obtenção de leite limpo e são e a segunda a determinação da capacidade produtiva dos bovinos leiteiros.

O fomento das espécies pecuárias, valorizando-as a bem da economia agropecuária madeirense, foi outra das tarefas levadas a efeito pelos serviços veterinários oficiais, através do refrescamento de sangue da raça Mirandesa no Porto Santo e do melhoramento zootécnico por absorção do gado bovino autóctone, através da introdução de outras raças mais precoces, designadamente a Red Danish (Vermelha da Dinamarca), a Holstein Frisien (Holandesa) e mais tarde a Raça Charolesa, para os cruzamentos destinados à produção de carne, com recurso à técnica de inseminação artificial, a partir de abril de 1966.

Ainda em matéria de fomento pecuário, há a assinalar uma iniciativa que data de 1956 e que mereceu, principalmente por parte da Junta Geral, o maior carinho e apoio. Referimo-nos às Feiras de Gado, realizadas anualmente no concelho do Porto Moniz e esporadicamente nos concelhos de Santana, São Vicente e Ponta do Sol. Estes certames contaram com o apoio de outras entidades e com a manifesta boa vontade e aceitação da maioria dos produtores de gado.

Em 1961, a Intendência de Pecuária foi enriquecida com um “Gabinete de Análises”, constituindo a sua secção laboratorial, servindo sobretudo de apoio aos serviços das campanhas atrás mencionadas.

A Intendência de Pecuária procedeu ainda ao controlo dos postos de cobrição e desenvolveu a experimentação zootécnica, implementando as boas técnicas de maneio, contribuiu para a formação dos criadores e promoveu o fomento pecuário, nomeadamente através do Posto Zootécnico, na Camacha, onde diversas gerações de visitantes, nomeadamente alunos dos estabelecimentos de ensino e turistas, tiveram a oportunidade de conhecer o que de melhor se fazia nesta Região em matéria de criação de bovinos, ovinos e caprinos.

Em defesa da saúde animal, da higiene pública veterinária e da segurança alimentar, os médicos veterinários municipais e, em sua substituição, os médicos veterinários da Intendência de Pecuária efetuavam à inspeção do pescado (peixe fresco, refrigerado e congelado) no Mercado dos Lavradores, bem como a inspeção das rezes para abate, suas carnes, subprodutos e despojos, no Matadouro Municipal do Funchal. Também é de referir as inspeções higiosanitárias de todos os animais e produtos de origem animal importados (incluindo os provenientes do Continente e dos Açores), junto da Alfândega do Funchal.

Para além disso, os médicos veterinários afetos a esses serviços oficiais foram os corresponsáveis pelo início e desenvolvimento da Avicultura e da Suinicultura intensivas, pela introdução experimental da cultura hidropónica de forragens e pela criação de um serviço de inseminação artificial em bovinos, com caráter gratuito, a partir de postos distribuídos por toda a Ilha da Madeira, exemplo único no país.


João Carlos dos Santos de França Dória
Direção Regional de Agricultura
Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária


* Fernando Marques, História da Medicina Veterinária, 2002; Carlos de França Dória, Relatório da Actividade Exercida nos últimos 40 anos 1926/1966.