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A Medicina Veterinária na Madeira – de 1862 a 1974* (1.ª parte)

feira gado1962 (Feira do Gado, em 1962)

A Medicina Veterinária, como ciência, tal como a entendemos nos dias de hoje, teve a sua origem em 1762 quando Claude Bourgelat criou em Lyon, na França, a primeira Escola de Veterinária, instalando, ele próprio, a segunda em Maison Alfort, nos arredores de Paris, em 1765.

Em 1819, a pedido insistente do Marquês de Marialva, então nosso embaixador em Paris, partiram para a faculdade de Medicina Veterinária de Alfort um grupo de seis estagiários portugueses, mas apenas quatro viriam a completar o curso. Foram eles Viana de Resende, Carvalho Villa, Francisco de Jesus Figueiredo e António Filipe Soares.

Deste modo, nasce a ideia de criar em Portugal a Escola Militar Veterinária, que acaba por se tornar realidade na Luz, paredes meias com o Colégio Militar, por decreto de D. Miguel, de 29 de novembro de 1830, que atribui aos professores a patente de alferes, aos alunos do primeiro ano as de soldado, aos do segundo ano as de cabo, aos do terceiro ano as de furriel e, finalmente, aos do quarto ano a patente de sargento.

No entanto, devido à guerra civil, acabou por ser transferida para o edifício do Convento dos Padres Brunos, da Rua do Salitre, onde se formaram 27 médicos veterinários e onde permaneceu até 1855, tendo sido posteriormente incorporada no Instituto Agrícola, que foi criado em 1852.

Surge nessa altura, por iniciativa do Conde de Sobral, apaixonado equitador e grande equinicultor de Almeirim, a constituição de um agrupamento mutualista com o fim de assegurar a necessária assistência clínica às respetivas explorações. Na sequência deste exemplo, surgiram outras iniciativas semelhantes que viriam a ser o embrião dos futuros serviços veterinários municipais, como de outros serviços oficiais que tinham por missão não só garantir a vigilância sanitária do país como também proceder ao fomento pecuário e assegurar a necessária assistência à produção.

A Câmara Municipal de Lisboa resolveu também estabelecer um serviço de inspeção sanitária em feiras, mercados e matadouros situados na sua área, sendo o primeiro serviço municipal no género a existir em Portugal. Assim, em 15 de janeiro de 1857 é publicado o “Regulamento da Polícia Municipal e Sanitária das Carnes Verdes de Lisboa” que, entre outras coisas, determinava que "todas as rezes vivas de qualquer espécie, destinadas ao consumo dos habitantes de Lisboa, serão exclusivamente mortos e cortados no matadouro público da Câmara Municipal, à excepção do gado suíno" e que "as rezes antes de abatidas, serão inspeccionadas por officiaes veterinários do matadouro".

 

Quanto à organização dos serviços oficiais de apoio à produção animal é de salientar a criação do cargo de “Veterinário Distrital”, embrião do que viria a ser mais tarde o “Intendente de Pecuária”. O veterinário distrital encontrava-se na dependência do Conselho Especial de Veterinária, órgão que daria origem à futura Direção-Geral que, entre outras competências, era responsável pela coordenação dos serviços regionais, tanto os ligados ao sector da sanidade animal, como os relacionados com as questões de fomento pecuário e também pelo Hospital Veterinário anexo ao Instituto Agrícola.

Assim, não será de todo errado afirmar que a atividade médico-veterinária na Ilha da Madeira apenas teve o seu início após 12 de março de 1862, data em que foi criada a Intendência de Pecuária do Funchal e também publicado o “Regulamento das Intendências”, estruturas com caráter distrital.

O Intendente de Pecuária detinha não apenas as atribuições inerentes ao fomento da indústria pecuária, as quais incluíam o levantamento de cartas pecuárias, estudo da flora forraginosa e o recenseamento dos gados, mas também possuía atribuições sanitárias, policiais e higiénicas, como medidas de combate às epizootias (doenças contagiosas que atacam um grande número de animais ao mesmo tempo e na mesma região e que se propaga com rapidez, correspondente às epidemias nos humanos) e enzootias (doenças que, em determinadas regiões, afeta constantemente os animais que nelas vivem), a possibilidade de produzir editais públicos, de efetuar a vigilância de feiras, mercados e matadouros, a inspeção de tanques e bebedouros públicos de gado e a divulgação de preceitos e regras gerais de higiene do gado, bem como deveria enviar todos os anos, ao órgão de governo competente, um relatório sobre a situação pecuária do seu distrito. Também lhe era permitido o facultativo como médico veterinário, ou seja, podia exercer atividade clínica.

Em 1871, por Carta de Lei de 14 de junho, as Juntas Gerais, nas quais se integrava a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, passaram a ter como incumbência a administração e o fomento agrícola e pecuário da sua área e, em 1877, o “Regulamento de Agricultura Distrital”, veio determinar que o Intendente de Pecuária passasse para a dependência administrativa direta das Juntas Gerais, sem prejuízo das atribuições já mencionadas.

Em bom rigor, atualmente desconhecemos quem terá sido o primeiro intendente de pecuária do Distrito Funchal, mas através do relatório intitulado “A Indústria Pecuária no Districto Autónomo do Funchal”, de 1 de março de 1878, ficamos a saber que nessa data o cargo era desempenhado pelo Dr. Salvador Gamito D’Oliveira. Temos também conhecimento que em maio de 1895 o intendente de pecuária era o Dr. João Francisco Tierno, através do seu magnífico relatório, publicado no Boletim da Direcção de Agricultura, 6.º Ano, n.º 11, em 1896.


João Carlos dos Santos de França Dória
Direção Regional de Agricultura
Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária


* Fernando Marques, História da Medicina Veterinária, 2002; Carlos de França Dória, Relatório da Actividade Exercida nos últimos 40 anos 1926/1966.

 

Nota: Na próxima edição do DICA será publicada a 2.ª e última parte do artigo "A Medicina Veterinária na Madeira – de 1862 a 1974".

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